quinta-feira, julho 02, 2015
Palito de Picolé
quinta-feira, maio 21, 2015
O vendedor de passagens da rodoviária
segunda-feira, abril 08, 2013
Meu vício pelas letras (ou Como uma livraria mal organizada estimula seu cérebro)
segunda-feira, janeiro 14, 2013
Clichês e Biografia
quarta-feira, dezembro 19, 2012
SOBRE AMOR E OUTRAS CERTEZAS
quarta-feira, outubro 24, 2012
Vergonha Nossa
sábado, fevereiro 04, 2012
VÍCIO AMARGO E QUENTE
quinta-feira, janeiro 26, 2012
Sobre Rosas & Cores
Nunca havia mandado rosas. O perfume delas lhe trazia à lembrança um cheiro de morte. Isso não quer dizer que não mandaria outras flores. Mandaria girassóis, aquelas grandes e desajeitadas flores amarelas, cheias de dentes, cuja ousadia lhes fazia girar e ver meio céu por dia. Talvez optasse por orquídeas, as trepadeiras vadias cuja sobrevivência dependia de abrir as pernas e abarcar quanto caule lhe fosse possível, sem perder seu charme. Havia uma certa beleza irônica nisso.
Poderia parecer que não era romântico, o que de fato se tratava de um terrível engano. Era dos canalhas o mais romântico. Mas não desses românticos de voz melosa e braços abertos, que levava um joelho por terra e recitava o que a grande maioria entendia por poesia. Era um imoral. Um devasso, cujos poemas de amor jamais seriam publicados em um jornal qualquer do mundo, no dia dos namorados. Sua poesia era aquela que brotava na noite, sob a meia-luz de um recinto, fosse ele um inferninho cujo nome não lembraria ou um quarto de motel com placa em neon-escárnio, em uma estrada qualquer onde o mundo joga seus perdidos. Seu romantismo não tinha coração. Era todo dentes, bocas e mãos. Era versos sujos, recitados com língua dormente de álcool mas acesa como a chama dos infernos. Suas palavras eram extensão de seu próprio corpo, com uma dúzia de mãos a acariciar quem ouvisse.
Não era dado a apegos formais, mas perdia-se em vontades e imaginações devassas do amanhecer ao anoitecer, fosse ou não regido por pequenas pausas para um cigarro. Apegava-se a delírios, tesão e admiração. E não, isso não era como uma paixão qualquer, era por si um ato egoísta de ver em alguém o que tinha em si. Amava-se nos outros, e por vezes seguidas com interrupções meramente humanas.
Gritaria à janela, dançaria a dois, mas sua concepção de matrimônio era em um bar no México onde o sacerdote era um barman de traços indígenas e a valsa um misto de Rolling Stones e The Coasters, numa dança suada feita de olhares, sorrisos e coreografias improvisadas.
No mais, era um canalha confesso. Sua idéia de fidelidade era sua própria satisfação. Por sorte, sentia-se satisfeito em dar prazer tanto quanto
Prometia-se, doava-se. Sem se perder do próprio umbigo. Era intenso e voraz, sempre faminto do que desejava. Não planejava amanhãs. Seguia seu próprio rumo onde seus dedos o levassem, rindo satisfeito contanto que ali, ao alcance de suas mãos estivessem todos os prazeres de que necessitava pra viver, inclusive um baseado e alguém que o atormentasse em cada um dos sentidos, fossem de seu corpo ou de sua imaginação.
Mas não mandaria rosas, nem recitaria poemas de amor qualquer, que não o amor louco: o mundo tinha muitas cores normais pra que não usasse sua própria aquarela surreal.
domingo, janeiro 08, 2012
08 de janeiro, dia do Fotógrafo
quinta-feira, janeiro 05, 2012
COMODISMO X REVOLUÇÃO
quarta-feira, dezembro 07, 2011
VAGABUNDOS ILUMINADOS - (Dharma Bums)
Tenho orgulho em dizer que meus maiores ídolos são negros, junkies ou gays. Pornógrafos desregrados, agitadores. Inimigos do bom-mocismo e do conformismo. Filósofos de alma selvagem, vagabundos iluminados. Deuses-poetas. Monstros divinos, que subverteram todas as regras, contrariaram todos os costumes e padrões. Gigantes que na sua maioria teve uma vida breve e cheia de excessos. Adeptos do amor-livre, defendiam a justa causa da liberdade de escolha. O amor/sexo em todas as suas manifestações. Sagrados Terroristas que sacudiam o mundo com suas músicas insanas ou com suas letras provocantes. Baderneiros por excelência. Histéricos Hipsters, que experimentaram de tudo, de todos. Que encontraram nas drogas artificiais assim como na embriaguez da vida a dinamite para explodir o mundo. A mão que estapeia o rosto dormente dos caretas.
“Meus heróis morreram de overdose”. Trafegaram todas as estradas do corpo até que se tornassem apenas mente: mens insana, corpus fragile. Vanguardistas da benzedrina, visionários. Xamãs dopados de peiote, whisky e LSD que enxergavam tão além do que as mentes mais simplórias jamais poderão calcular.
Quando ouço alguém dizer que não os conhece, ou pior ainda, que não passavam de “Maconheiros, sujos, vagabundos, bichas”, sinto pena. E a pena é o mais negro e desprezível sentimento que se pode ter por alguém. Sinto isso por uma simples razão: por saber que a repulsa que têm pelos Divinos Deuses Escrotos, nada mais é que uma negação de algo que se sabe no fundo de sua alma. Aquele verme da inquietação que sussurra nos sonhos e os faz acordar suados e rancorosos. A negação de que do alto de seus Manolo Blanic, embaixo de seus Armani, atrás de seus mestrados e doutorados, existe uma criancinha faminta mas assustada demais para perder a “doce inocência” e experimentar um pouco de vida. Existe um pedaço de carne com nome & sobrenome orgulhoso cuja passagem pela terra será apenas de deixar marcas de sapato em tapetes caros e uma ficha limpa. Escravos do Sistema. Existe ali uma inveja inconfessa dos que andam nus e sujos, com um sorriso satisfeito, os Vagabundos Iluminados. Mais cômodo e seguro é ficar na sua poltrona confortável de sua sala perfeita que abrir os olhos.
Mais difícil é reconhecer que os Vagabundos são merecedores de toda a glória que os rebeldes lhes pregam e, orgulhosamente mais ainda, do desprezo que os normalóides lhes tem. Há tantos nomes e tantas alcunhas: Jim Morrison, Jack Kerouac, Bukowski, Hakim Bey, Neal, Hendrix, Burrowghs, Thompson, Ginsberg, Joplin, Winehouse, Cobain, Baudelaire, Miller, Nin... nenhuma lista seria capaz de ser justa. Menos mal. A rebeldia é alguma coisa além de nomes. Ela prefere atos, desacatos, provocações, ainda que alguns títulos sejam o topo de seu panteão místico e efêmero.
Jim Morrison, o inquieto poeta que passou de menino tímido, aterrorizado com o palco à Lagarto-Rei. Ícone da banda mais estranha já criada, The Doors, que teve seu nome inspirado em um poema de William Blake citando Huxley: “Se as portas da percepção estiverem limpas, todas as coisas se apresentarão ao homem como são: infinitas”. E era essa a grande guerrilha de Jim. Quando subia ao palco sua performance louca, contorcida e totalmente instintiva, lembrava um índio possuído, dançando aos deuses de nome secreto. Morrison foi o Grande Xamã, poeta das inquietações da alma, da busca pelos excessos e do fim dos limites. Convidava às cerimônias profanas e caóticas que acordavam a alma e faziam o corpo suar. Instigava a depravação sem censuras: Libertem-se. Suas letras são como um passeio no Jardim das Delícias Terrenas. Um agitador de voz melosa que convocava aos Santos Maculados à uma experiência fabulosa. Agitador risonho, morreu em sua banheira de uma overdose de álcool e heroína. Um Profeta místico, cujo plano secreto era roubar a “inocência” dos corajosos. “It´s everybody in?”;
Jack Kerouac. O caronista bêbado de sandálias esquisitas. O delinqüente supremo das letras. Sofria de uma aguda inquietude da alma, doença séria e altamente contagiosa. Era frenético em tudo o que fazia. Quando botava o pé na estrada, alimentado de torta de maçã e sorvete & todo o álcool e drogas que encontrasse, perambulava agitado entre os mundos, contemplando a liberdade que só os Vagabundos mais Iluminados experimentam. Vivia tudo o que podia com uma fome louca e selvagem que jamais se saciava. Era um viciado na vida. Acompanhado de sua gangue, Neil, Allen, William e outros tantos, Jack revolucionou a literatura e chocou a sociedade. Seus livros eram relatos de suas aventuras loucas, e sua prosa rica de uma poesia crua e afiada, consequência de sua escrita frenética. Um maníaco que quando possuído pelo demônio das letras, escrevia frenética e ininterruptamente. Baderneiro e provocador, dava entrevistas bêbado, respondia às perguntas em Joual (dialeto francês de Quebec), italiano, espanhol, com um tom cínico e sarcástico. Deleitava-se com a inconveniência. Sua mente iluminada aterrorizava e encantava. Despertava – e hoje o faz ainda mais – a vontade de pegar a mochila, esquecer os preconceitos, a segurança e a responsabilidade mundana, e cair na estrada. Desbravar pelo coração das cidades, sua própria alma. Kerouac é o mais potente elixir alucinógeno da insurreição particular. Ao experimentá-lo, uma estranha conseqüência se manifestará e sem que perceba o usuário tomará para si a mística receita: “Não há nenhum lugar onde pudesse permanecer sem cair no tédio e também não há lugar algum pra ir senão todos os lugares.”;
Jimmy Hendrix, o Deus Negro da guitarra. Seus acordes ousados eram como tesouras a cortar os cordões dos homens-fantoche. Enquanto nos conservatórios se aprendia a tradição nas cordas, Jimmy fazia sua guitarra gritar em microfonia, frente à fabulosa geração dos Hippies no Woodstock. Incendiava seu instrumento e o despedaçava. A guitarra nada mais era que uma ponte, um caminho para sua mensagem: “Are you Experienced?”. Jimmy “beijava o céu” entre espelhos quebrados. Era como um Caronte negro, conduzindo aqueles que chegavam mortos em sua barca elétrica ao mundo inferior, ao inferno ardente. E não é o paraíso aquele que mais arde na alma? Herdeiro do Blues e do Jazz, Hendrix foi o precursor de uma estrada iluminada de escalas pentatônicas e bends. Um Xamã, tal qual Jim Morrison, agitando almas através dos ouvidos. Vestiu uniforme e ganhou os céus como paraquedista da 101st Airborne Division, e anos mais tarde gritou ao mundo pelo fim da guerra do Vietnã. Tocava com as mãos, os dentes... nas costas. Seu corpo era todo música e sua alma, baderna. Morreu sufocado no próprio vômito. A quantidade de vinho encontrada em seu corpo impressionou os legistas. Eu digo: morreu embebido na própria falta de limites, como um espartano em Termópilas, eternamente lembrado e risonhamente satisfeito. Profetizara anos antes: “Sou o cara que terá de morrer quando chegar minha hora, então me deixem viver minha vida da forma que eu quiser”;
Allen Ginsberg, poeta-anarquista, rebelde romântico. O Santo Veado. Escondia atrás de sua barba farta e seus óculos fundo-de-garrafa um gênio sublime que fascinava a quem contemplasse suas letras. Seu poema Howl (uivo) é uma das mais apaixonantes odes à geração Beat, à insurreição poética e ébria de uma época e aos seus companheiros, os outros deuses loucos do panteão. Foi autor do mais vendido livro de poesias da história da América. Homosexual, teve colhões pra assumir seus amores e desejos, inclusive em fotos, onde posava abraçado nu com seus amantes no ápice da política Macarthista. Usuário de LSD, ativista dos direitos humanos, Zen-budista. Junto de Kerouac e Burroughs, revolucionou a linguagem literária da segunda metade do século XX. Guru da rebelião e terrorista da contracultura, Ginsberg foi um dos grandes agitadores, que gritava aos ouvidos adormecidos do mundo, estagnados na normalidade, nos padrões e no conformismo. Inquestionavelmente foi o Anjo psicótico e nu, cuja luz fabulosa ilumina as mentes inquietas até hoje.
E quanto a você, amigo de nariz torcido, de alma acorrentada e mente arenosa, é provável que continue assim, limitado pela sua própria cegueira ignorante. Pela sua concepção patética da vida. Tenho pena. Sei que viverá uma vida insossa, cheia de regras e normas de conduta. Nunca sentirá sua consciência transportada à um paraíso, seja artificial ou literal, literário. Provavelmente nunca experimentará a aventura do conflito, a coragem libertadora do questionamento e o grito que faz tremer a alma. Chegará ao fim dos seus dias, com a falsa sensação de ter vivido. De que a tranqüilidade de seus anos e a comodidade de seus dias valeram à pena, ainda que saiba no fundo da alma que a mediocridade de suas escolhas somente lhe renderá a insatisfação. O esquecimento será sua herança. Pobre de ti, abastado amigo, que em uma existência invisível e longa, não conseguiu compreender que o tesouro sagrado só é alcançado pelos Vagabundos de alma nobre, os Iluminados pela poesia e pelas incertezas. Os livres de preconceitos sexuais, sociais e étnicos. Os que partem cedo do casulo da carne, e ainda assim deixam aos olhos sem vendas, o mapa místico da verdade, coisa que em vinte vidas você não descobrirá, ainda que esteja aí pichado na sua frente. Tenha uma vida longa, tranqüila e próspera. Certifique-se de ter trancado as portas, abaixado as vistas e levantado a tampa. A arte-Sabotagem passará longe de ti, ela odeia os fracos de espírito, os covardes, os nomais. À ela, como bem disse Kerouac, “só interessam os loucos, os que estão loucos para viver, para falar, que querem tudo ao mesmo tempo, aqueles que nunca bocejam ou falam chavões...mas queimam, queimam, queimam como fogos de artifício pela noite”.
Dedicado aos espíritos livres, agitadores e baderneiros. Aos Sonhadores que têm orgulho da nudez e de serem chamados de rebeldes. Serpentes de trejeitos felinos. Reis Invisíveis do mundo que desperta quando os olhos se fecham, que jamais ficarão sentados na ilha de seu próprio umbigo enquanto a noite grita.
quinta-feira, dezembro 01, 2011
Despertar
Existe algo de miraculoso e sagrado nas grandes forças da natureza. Ninguém lembra das benfeitorias tão bem quanto dos estragos. Uma Usina Nuclear derretendo, uma enxurrada levando ratos e velhas beatas esgoto abaixo, o chão engolindo criancinhas e estátuas.
Há também os eventos silenciosos. Eles acontecem sorrateiros, em um plano de existência que por vezes contagia à uns tantos, mas é percebido por poucos e provavelmente ninguém compreenderá o contexto geral. É exatamente essa a ideia. É uma espécie de Revolução e Sexo – toda orgia é uma guerra – que acontece quando grandes forças da natureza que se encontram adormecidas, terminam por se misturar. O Despertar de ambos poderia sacudir trópicos, deslocar o eixo da terra ou mesmo rasgar páginas e páginas de poemas tolos.
É algo entre um furacão e um terremoto. Um mini-cataclisma que inicia com um tremor e logo se transforma em estrondo e gritos de pânico. O mais estranho é que a sensação lembra a de um gozo, porém nem de longe tão melancólica ou instantânea. É uma espécie de dança Xamânica com Big Bang e alguma dose de sadomasoquismo. Um sentimento de queimação e formigamento que em segundos se transforma em euforia e incêndio.
A alma grita e ri como a gargalhada de uma profetiza louca, uma velha cigana cantando na chuva. Um incesto – sim, todas as tormentas tempestuosas são da mesma família estranha – sórdido, vagabundo... iluminado! Um uivo degenerado e insano que faria os mais apressados vanguardistas sentirem vergonha (leia-se Inveja)!
Imagine o encontro da pólvora com a chama, mas com uma sensação de se lamber uma nuvem temperada por relâmpagos. Um misto de luz, metanfetamina e incenso, com a cor daquelas manhãs douradas e também do céu tempestuoso de dezembro.
Gnóstico e anarquista.
Eles riem dos que ainda andam para frente: Coitados, tão apegados à segurança de seus sapatos lustrosos que esqueceram dos atalhos, dos caminhos incertos, pedregosos e cheios de curvas. Eles riem histéricos. Esqueceram como andar para frente. Suas aventuras são inquietas demais para o caminho. Terremoto et Furacão, mas com o beneficio da clandestinidade, o silêncio ensurdecedor do anarquismo das causas banais: Abaixo à Monarquia Monocromática das Certezas. A vida precisa de mais cor, mais caos, mais incertezas, mais sonhos.
Que o mundo seja engolido pela loucura apocalíptica deles.
Terremoto et Furacão, destrua a estrada amarela. Nada sobre da velha casa, nenhuma construção sobre alicerces. O teto são as estrelas, o caminho ilimitado. Tudo o que restará são marcas de gozo e o cheiro vermelho de sexo, além de uma vida de convicções abaladas.
Insurreição e Volúpia!
E na dança das ampulhetas atômicas, uma coisa é certa: Quando se fala sobre forças da natureza, a imprevisibilidade de seu sono é perturbadora!
sexta-feira, setembro 02, 2011
Desculpem-nos o transtorno...
Somos de uma geração de frustrados. Sim, frustrados. Nascemos - e tomo aqui meus 29 anos como referência - em uma era democrática. No papel ao menos.
Lembro da minha infância quando ouvia com paixão as histórias dos que sofreram a ditadura militar. Dos que militaram com bravura em tempos de longe mais difíceis, onde a panfletagem marginal e a guerrilha eram as estratégias. Haviam poucas câmeras, fotográficas ou filmadoras, e a então Rede Social era feita no boca-à-boca. Naqueles anos, ser um rebelde era uma tarefa árdua e somente os verdadeiros apaixonados seguiam firmes em sua luta.
Lembro do início da adolescência, quando assistia pela TV os “Caras-Pintadas”, que pouco à pouco chegaram à avenida e logo engrossaram as fileiras, provando uma vez mais a força do povo, derrubaram um presidente. Foi lindo, ainda que recentemente o mesmo tirano de sorriso amarelo e jeito fanfarrão tenha voltado a ocupar um lugar de poder. Falha da nossa memória, por demais curta.
Lembro com sorrisos nostálgicos do início da minha vida acadêmica, quando recém egresso no Curso de História da UFPI, me apaixonava pelos grandes mártires das Revoluções Históricas de séculos atrás.
Lembro de pouco tempo depois, quando conheci nomes que me marcariam mais ainda como Bob Dylan, Hakin Bey, Bansky, Nietzsche. Tantos outros. Uns já conhecia, mas não de verdade, daquele jeito de sentar à mesa pra um café e duas xícaras de ideais revolucionários brotarem do peito.
Muitos dos que já leram meus textos, provavelmente perceberam que boa parte do que escrevi é uma espécie de manifesto rebelde. Das causas banais, principalmente. Lembro de ter vivido com um sentimento agudo de frustração, que me corroeu silenciosamente – às vezes nem tanto – e escorria em forma de letras, vez ou outra. Frustração de não ter uma causa, uma luta, uma Guerrilha. Mas Causas temos de sobra e Ação nos falta por demais. Minha maior frustração é ter sido um acomodado confesso. Esperava com aquela visão poética o dia em que as massas iriam às ruas e os protestos ganhariam corpo. O dia não chegou e o rebelde em mim juntou malas e fugiu. Foi buscar um tanto de insurreição em outros terrenos mais imaginários e menos pacíficos. O preço da vida adulta.
Tudo mudou. Uma força inimaginável assumiu o poder. A tão sonhada Democracia, vestiu nova roupa, ganhou novo contexto e em sua linguagem pós pós-moderna, recebeu um novo nome: Redes Sociais. Centenas de milhares de mentes, vozes e idéias se conectando, articulando, organizando... tudo em tempo real. Em modo virtual.
O que parece um contra senso, na verdade chamo de evolução. Se antes os rebeldes se valiam de códigos secretos, mensagens encriptadas e afins, hoje tudo é feito às vistas do mundo. O modo quase perfeito da rebeldia. Quase. Como todas as grandes idéias dos homens, também pode ser corrompida pro uso mal-intencionado.
Hoje acordamos pra um novo momento. Na melhor das hipóteses, somos precursores ativos – ou não – de uma nova forma de luta. Uma nova estratégia de batalha, que se afirma e justifica nas ruas, mas que nasce, ganha seu poder e se transforma no mundo digital. Na pós pós-modernidade, as lutas se dão com exércitos de “zeros e uns”, que quando fora do conforto de suas cadeiras giratórias e telas de LCD, são “uns mais uns” mais tantos.
Quando tive a notícia, estava à quase mil quilômetros de casa. Confesso que minha primeira reação foi a descrença. Mea Culpa. Cheguei. No penúltimo dia dos protestos, como quem chega à praia no dia D, aos trancos e barrancos, mas cheguei.
Aos que acompanharam os noticiários e/ou vivenciaram, sabem que Teresina mergulhou em dias difíceis. A mão pesada da ganância favorecida e legalizada atacou uma vez mais e com seus dedos esguios mergulhou descaradamente em nossos bolsos. Eis que aí o grande trunfo, a mais afiada das armas e perigosa das guerrilheiras gritou: A Opinião Popular. Uma Revolução que começou engatinhando como uma brincadeira quase sem autoconfiança, se transformou em um dos grandes marcos da história local. A multidão de Caras-Pintadas digitais tomou as ruas, queimou pneus, fechou lojas, parou veículos, arrastou transeuntes pra sua luta e mudou o curso do que já era tradição: o aumento desmedido das passagens do transporte público.
Cinco, dez, vinte mil. Quem sabe? No quarto dia de protestos, a peregrinação percorreu as principais avenidas, parando ônibus e outros veículos, arrastando mais e mais manifestantes. Vi adolescentes pichando ônibus e paredes, policiais recuando assustados com medo do povo, gritos inflamados e milhares de incansáveis guerrilheiros sob um sol escaldante, marchando com um sorriso assustador. Era de meter medo, e deveria. É o Estado que deve temer seu povo, nunca o inverso.
Senti uma inveja dos colegas que estavam no início de tudo, dos que receberam spray de pimenta no rosto, dos que caíram correndo da cavalaria, dos mártires sem nome, que passaram despercebidos. Mas fui! Levei minha arma mais perigosa, aquela de tiro certeiro, que “Mata Fascistas” (três salves á Woody Guthrie) e guarda pros olhos o que a mente não esquece: Minha câmera fotográfica. Minha fiel parceira com quem dividi os tantos quilômetros de caminhada e correria. Que me rendeu uma parte da capa de um grande jornal local hoje, que paga meu sustento. Gritei com cliques, protestei com poses. Minha pequena, quase nenhuma contribuição, foi estar lá e guardar não apenas na memória, mas em dados - digitais, assim como o estopim da guerrilha – pequenas frações da história, que ainda que não chegue aos livros, vai ser por muitos anos e para tantos não apenas uma história à contar, mas um sossego à alma dos insurgentes pós pós-modernos.
Não me pergunte se sinto pena dos grandes, que tiveram seus preciosos ônibus incendiados, destruídos. Revoluções não são feitas com afagos, mas com músicas de protesto e suor. Com sangue e fogo. Que eles saibam que seus veículos nos são ainda mais preciosos. Dependemos deles pra trabalhar, estudar, amar. O pecado maior não foi de quem gritou, mas de quem silenciou. Que sirva de lição, e uma lição mútua!
Aos verdadeiros heróis, o meu agradecimento banal é simples: Sonhem. Sonhos moldam o mundo e dão Cor à vida. Seja ela flamejante e negra, tomando o céu, seja ela verde e amarela, tomando os rostos, seja ela azul, na assinatura de um documento.
Desculpem-nos o transtorno, mas não há revolução sem barulho.
#VITORIADOPOVOTHE
sábado, outubro 30, 2010
Partidas e amanhãs tardios
As paredes do cômodo eram feitas de livros velhos e fotografias desgastadas. Uma luz parca teimava em invadir as frestas da janela de vidro fosco, empoeirado e confuso como sua própria vida. Não era uma manhã tão diferente das outras, salvo pelo majestoso azul do céu ter sido trocado por um cinza duvidoso, aquele de dias nublados onde sonho e domingo se misturam.
Não descia ali fazia tempo. A guerrilha precisava de descanso ainda que o desejo constante fosse de grito. Nos últimos meses havia se tornado mais espectador de sua vida que uma alma inquieta suportava, mas mesmo as bombas precisam de dias de silêncio.
O problema do sossego é o costume. Ele se instala devagar adormecendo o corpo e entorpecendo a mente, e quando menos se espera o coração ganha um ritmo de tique-taque e as pernas entram no compasso de um passeio de fim de tarde.
Mas como bom inquieto, resolvera sair do conforto e outra vez assumir seu posto. Transitava pelo recinto admirando suas histórias e armas, relembrando dias passados quando o mundo era deliciosamente mais complicado. Uma velha foto com Kerouac, em uma noitada qualquer em São Francisco; Nietzsche em uma mesa de bar sem metade do bigode – ganhar aquela aposta me valeu o dia, pensou - Hakin bay, Baudelaire, Che e Bauman discutindo modelos de governo em um inferninho da zona baixa de Paris... todas fotos feitas na velha Dragonflex, a devoradora de instantes.
Debaixo de uma lona desbotada, uma caixa de madeira com apliques em silk de Pop Art. Guardava ali seus acessórios favoritos, ferramentas e fetiches. Páginas em branco e traquitanas sem uma utilidade aparente. Um desenho de Camões com seu tapa-olhos – todo bom pirata precisa de um. Poetas, igualmente – estruturas de sílica e uma placa de bronze esperando inscrição.
Sem dar tempo ao seu próprio bom senso, começou a encher a mochila verde com seu maquinário duvidoso. A rebeldia era uma poesia supersticiosa. Devia ser feita rápida e sem muito cálculo ou os sapatos do convencional teimariam em não dar lugar ao All Star do vandalismo romântico. A arte sabotagem não pode perder tempo com o esmero do planejamento sob pena de se tornar estratégia mecânica. Brota do desassossego imediato que quanto mais inconveniente, mais se grava nas histórias secretas das pequenas lutas contra os grandes ditadores. E o conformismo é o pior dos tiranos.
Não mais que dez minutos e já estava na estrada. Bob Dylan e Jim Morrison cantavam a partida breve, antes que o sol voltasse. Outra vez caçaria fascistas do comodismo, daria nomes falsos, provocaria desordem e a arte sabotagem silenciosa, sem esquecer da regra de ouro: Nunca seja pego.
quarta-feira, junho 23, 2010
NORTE MAGNÉTICO
Acordou com aquela estranha sensação de ausência. Não sabia exatamente o que, mas algo estava faltando. Revirou as cobertas, olhou embaixo da cama. No banheiro, na cozinha, no quintal... nada. Continuava a peregrinação em cada cômodo, gaveta e caixa, sem sinal do que buscava. A certeza de que algo está errado é como um silêncio constrangedor, um comichão que começa atrás do pescoço e se alonga imaginação à dentro.
Sentou na velha poltrona de couro batido e começou a revirar CDs. Talvez fosse uma canção que lhe faltasse, ou um filme... não. Também não era isso. Deu outra volta pela casa, foi aos armários da cozinha, o microondas com cheiro de pipoca e até à geladeira com uma lasanha à espera do almoço. Parou diante do balcão e olhou pela janela. Viu o balanço brincando com o vento no sol afetuoso da manhã. Deu um sorriso e com passadas bem marcadas chegou à sala, deitando pesadamente no divã com um suspiro entrecortado. Aquela dúvida incoerente se dissipara, e com um olhar para a mesa de centro percebeu que sua bússola da sorte também sumira. A alucinação que o acompanhava havia partido, mas ao menos tinha levado a bússola consigo. É sempre bom saber o caminho.
Há dias em que o delírio voluntário nos abandona e os dias são um tanto menos surreais.
Outros nem tanto.
quarta-feira, abril 21, 2010
Dr. MORTE
Vivia da morte alheia. Simples assim. Seu ganha-pão era baseado na arte de coser, reestruturar, forrar e maquiar defuntos. Quanto mais trágica, mutilante e violenta, maior o benefício de seus bolsos. Não que fosse um explorador, longe disso, mas sua arte não era barata.
Algodão silvestre, papel francês da gramatura ideal e serragem de pinho virgem para o recheio. Base, sombra, blush e delineador importados para a cobertura. Nenhuma mulher era tão caprichosa e detalhista no uso dos cosméticos quanto ele.
O fato é que sentia prazer naquilo. Gostava de se debruçar sobre corpos rasgados e feridos, despidos de suas vestes e pudores. Sobre sua mesa metálica e fria todos os orgulhos se esvaem.
Quando seu pincel-navalha trabalhava nacos de carne, sentia uma satisfação de escultor grego, de pintor europeu. Imaginava-se um Rembrandt, um Da Vinci, um Michellangelo em uma versão necrótica, retratando uma lembrança residual qualquer de vida em um pedaço morto que um dia teve um nome. Sim, já teve. Pra ele era um cliente, não o Sr. Antonio, o Sr. João, Dona Tereza. Não podia se dar ao luxo do apego e chamá-los pelo nome. Preferia pensá-los como uma obra encomendada de sua galeria sóbria e seu trabalho uma vernissage incomum. Trabalhava-os como um bloco de mármore cuja beleza aguarda a carícia do cinzel e do martelo para vir à tona.
O que a maioria das pessoas não entendia era que seu trabalho não consistia apenas de vender o corpo reformado de alguém, mas também uma lembrança. Uma memória de suas feições em vida. Sua satisfação vinha dos olhos chorosos que inclinavam-se sobre os caixões sem partilhar do horror da morte barulhenta e suja. O resultado de sua arte era um suave aroma amadeirado e uma pele com os tons de um sono da tarde.
Era assim que ganhava a vida e aproveitava seus dias. "Carpe Diem. Carpe Mortem". Um “amigo” que visita quando um amado se vai. Um tanto alfaiate, artista e açougueiro, trajando ternos bem passados, esguio como um lamento, como sorriso escondido por uma volumosa e bem cuidada barba negra e um frio aperto de mão. Sua presença era precedida sempre pelas batidas de seus sapatos de sola de madeira e pelo cheiro estranhamente agradável de morte e hortelã.
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[Na foto acima, de autoria desconhecida, Gunther Von Hagens, criador da Body Worlds, exposição de arte cujo objeto são corpos humanos plastificados e também é chamado de Dr. Morte. Ele não foi o que me inspirou pra escrever o texto acima, apenas achei conveniente constar essa informação]
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