terça-feira, julho 15, 2008

foto: Fábio Reoli




" "Coletivo: Kaos" tem o intuito de externar essa forma incessante de ir e vir coletiva e, ainda assim, individual aos olhos de cada um. Sensações que se movimentam pelos nossos olhos cotidianamente e que, muitas vezes sem percebermos, conseguem extrair uma quantidade absurda de histórias, ilustradas pela gritante quantidade de informações que envolvem os frequentadores de um caótico transporte público da grande - e nem um pouco humana - cidade de São Paulo." [F. Reoli]




Recomendo aos ilustres visitantes desse reino cafeinado uma visita pelo ensaio conjunto "Coletivo: Kaos", do amigo Reoli. Um belo ensaio fotográfico feito dentro de um ônibus coletivo, instigando outros viajantes do mundo blogueiro tais como Caio Tadeu (http://contosdeinsonia.blogspot.com/), Solange Mazzeto (http://solemazzeto.wordpress.com/), Frank Saiu, Q SE FLOG (http://qseflog.blogspot.com/2008/06/catstrofes-modernas.html), Ana Pallito, dentre vários outros talentosos escritores, assim como este enfileirador de letras que vos escreve.

O material na íntegra pode ser conferido em http://coletivokaos.zip.net/


Uma série de descostruções escritas, congeladas e deliciosamente enfileiradas. Divirtam-se.




trecho do meu texto:


"Os que chegam, devorados pelo monstro metálico, fazem seus o caminho dele. Aos que vão, a curta liberdade aparente de seguir com os próprios pés até que finde o dia e novamente sirvam de aperitivo à um outro monstro."

quinta-feira, julho 03, 2008

O HOMEM QUE ERA TERÇA-FEIRA

Não que fosse de todo um mistério o seu nascimento. Poderia se dizer, de um ponto de vista deveras abrangente, que tivera no mínimo algumas peculiaridades sobre sua concepção, visto que o pai morrera no exato momento do nascimento de sua mãe, e esta de parto; e o fato de não ter passado de 24 horas de vida, por exemplo.
Diante de tais esclarecimentos, podemos seguir adiante visto que nesta história em particular o correr das horas é por demais atroz.
Nascera precisamente ao primeiro segundo da meia-noite, como o próprio dia de quem recebera o nome: Terça-feira. Na aurora de sua infância, entre cinco e meia seis da manhã, recebeu em suas bochechas nada rosadas, os primeiros e tímidos raios de sol, fugitivos da neblina daquele dia cinzento. Precoce para sua idade, antes das 10hs da manhã, já havia tomado certa consciência de si como indivíduo e do mundo ao seu redor, por mais profundas que tais implicações pareçam.
Logo no florescer da adolescência, pouco depois do meio-dia, questões sobre o rumo a tomar, o que fazer da vida e o sentido das coisas passaram a lhe tomar a atenção. Quão efêmero é o tempo...
Dedicara até as 18hs em uma revoltada reflexão sobre tais coisas, quando lhe ocorreu que a maioridade se jogava em sua face, e a consciência, tal qual um mundo que se descobre em processo de implosão, lhe atingia em cheio. E agora? Que faria?
As 20hs de vida já lhe chegavam à soleira da porta, em cada passo do ponteiro, esse incansável andarilho que carrega o tempo [carniceiro insaciável] à sua volta. Tic Tac. Tic Tac...
Antes mesmo de decidir o que queria para si, sua curta vida de Homem-dia, já mergulhava em suas horas finais de existência (pelo menos no sentido em que a entendemos).
Tantos lugares queria ainda visitar: as montanhas nevadas da Escócia, onde correria nu sentindo o frio lhe congelar a barba; o sol escaldante do México, onde cantaria com os Mariachis embebido no ardor da tequila; o Peru, sagrada terra onde os mistérios estão incrustados nas pedras e até mesmo na posição do chapéu das mulheres Quéchua... tanto ainda para ver e tão pouco tempo. Não lhe restavam mais que duas horas, e todo o peso de uma vida puxava seus ombros para baixo e a imaginação se inebriava. Em tão avançada idade, mal sabia dizer se de fato havia estado em tantos lugares ou se apenas tomara seus anseios como parte da lembrança do que vivera de fato. Não sabia mais o que era memória e o que era invenção de sua cabeça senil.
Em tão corrida vida, vivera muito menos tempo do que esperava, e boa parte dele tinha dedicado a tentar encontrar um rumo a seguir. Agora estava velho, cansado e não podia de fato citar algo de que se orgulhasse, além do fato de ter se descoberto grávido, e da consciência de que morreria durante o parto de sua desconhecida mas ja amada filha Quarta-feira.
Assim se encerra a existência breve porém lembrada do Homem que era Terça-feira, nada deixou alem de uma filha em um mundo desolado e a pouca lembrança do nada que fizera.
Tempus Adest.
[Título inspirado no livro " O homem que era quinta-feira", de G. K. Cheston, o qual nunca li mas o título me provocou como uma tormenta]