sexta-feira, agosto 31, 2007

CURTAS COTIDIANIDADES

Relutante, tentava não balançar as pernas, brincar com os anéis ou beliscar o queixo - pequenos tiques adquiridos com as voltas do relógio - mantia aquela falsa expressão de comportamento adequado.
Ao lado o mundo gritava na correria louca de transeuntes sem rosto que pareciam amarrados, andando em fila indiana: quanta pressa!!
Retirou do bolso o seu lápis-rouba-sonho, ferramenta que usava para transcrever delírios em letras e desenhos estranhos, e começou a desconstruir. Despoemas, crônicas invertidas ou histórias de final duvidoso. O ofício de enfileirar letras e causar pequenos transtornos como uma forma de fugir daquele mundo corre-corre é para poucos um tique (que assim seja em forma exagerada com crises histéricas).
Repousou calmamente o lápis no bolso quando ouviu seu nome.
Essa costumava ser sua manhã no mundo engravatado dos normalóides: fingir andar reto e certinho, enquanto conspirava secretamente pra deixar o mundo um tanto mais surreal.

sexta-feira, agosto 03, 2007

ASAS DO AMANHECER

Naquela manhã tinha acordado com vontade de voar.
Não era um bocejo sorridente, nem tão pouco rugas de um despertar rabugento. Talvez o olhar de um amanhecer monótono...
Levantou da cama, e cruzou a casa com um olhar distante sem distribuir bom dias ou sorrisos de cara inchada. Simplesmente andou calmamente até a porta dos fundos sem ao menos se preocupar com o alarme ou com aquele ridículo e confortável pijama. Andou até o batente do quintal. Sequer lembrara da existência de todos aqueles prédios e olhares curiosos que sempre espreitam das varandas da vizinhança. Apenas abriu os braços e começou a voar.
Nunca fizera aquilo antes ou soubera de qualquer um que o tenha feito. Mas fez. Se lançou ao céu como se caísse pra cima. Uma desqueda invertida para um mundo de vento e nuvens.
À medida que sentia o mundo sem asas ficar à centena de pés dos seus próprios pés, misturava a sua vida blues com o azul daquele mundo leve. Pouco a pouco a existência que conhecia se distanciava. Não olhava para baixo, mas a vibração que lhe percorria a barriga e explodia no umbigo dava a certeza de que já estava à uma terrível e maravilhosa altura. Sentia a resistência do ar entre seus dedos e em seu rosto. O peso do vento livre que vez ou outra cai, tombando janela a dentro em um deslize pela cortina.
Sem pássaros ou nuvens. A rarefeita atmosfera não lhe incomodava. Sentia a gravidade perder sua jurisdição e quase não conseguia lembrar que um dia já tivera os pés no chão... alto!! Alto!!
O azul do céu agora se transformava no silencioso e descolorido frio. Nem mesmo um grito – se gritasse – seria ouvido. O silêncio parecia ser o senhor daquele novo mundo onde o tempo mais parecia uma canção de ninar em braile cantada à ponta dos dedos.
Subindo... subindo... os joelhos começaram a procurar o peito e os braços a envolver as pernas. Um abraço tão apertado quanto pudesse ser naquele mundo de regras incertas.
Começou com um formigamento que parecia vir da própria alma e deslizava para o umbigo, se espalhando pelo resto do corpo. Mesmo de olhos fechados, podia ver o brilho que saia de seu corpo embolado. E aquilo crescia. Parecia gritar dentro dele. Poderia ouvir seu corpo aos berros, não fosse aquele um mundo de silêncios. Por um instante pensou em cair pra dentro de si e aliviar a dor e o calor que agora o enlouqueciam, mergulhando em sua própria limitação e ser um buraco negro de existência cadente e retorcida. Mas não. Não faria isso. Preferiu abrir os olhos no ultimo instante e assistir sua existência explodir em um milhão de anos por segundo, em pipocos escandalosos de puro silêncio e cores berrantes em fogo. Espalhava-se pelo cosmo até que esquecesse que já tinha sido humano, tornara-se estrela entrando em nova e agora era pouco mais que uma fagulha vagando no silêncio.
Seria lembrado até que todos o esquecessem.

segunda-feira, julho 16, 2007

EL PICHADOR

[imagem: grafite de autoria de Banksy]


EL PICHADOR
Caminhava apressado e desconfiado. As mãos escondidas nos bolsos. Passos curtos e ligeiramente vacilantes. Procurou um lugar com pouco movimento. Apenas alguns transeuntes e nenhum desconfiaria dele: O capuz do casaco garantiria o segredo de sua identidade. Não que tivesse algum medo de ser descoberto, já que na verdade não passava de mais um zé-ninguém perdido no mundo. Um anarquista imaginário sem grandes feitos, que não aquelas mensagens de rodapé de grandes muros.
De cedo teve vontade de causar desconforto. Perturbar, ainda que por alguns segundos. Incitar o questionamento...
Não ansiava por grandes transformações na cabeça de ninguém, ainda que fosse esse o sonho de qualquer um dos anarquistas romanticos. Limitava-se às rápidas desconstruções.
Os que já tinham visto seu trabalho talvez pensasem ser ele um escritor de rodapés porque falava aos cabisbaixos, aos perdidos do mundo de olhar rente ao chão. Tão enganados estavam... queria ele escrever em altos muros sim, se lá sua mensagem pudesse mesmo ser entendida. Não havendo jeito, preferiu aceitar-se e pichar quase junto ao chão em um grafite rápido: “você devia estar olhando acima das estrelas”
Vivia assim, confundido com um artista que escrevia em rodapés como protesto, quando na verdade era portador de nanismo. O anão pichador traduzia perto dos pés o que era pra ser dito à alma.
Bem aventurados os sonhadores.

quarta-feira, junho 06, 2007

PROVOCAÇÕES DE HUMOR CAPCIOSO

Elas são teimosas. Às vezes fúteis, desinteressadas, sorrateiras, escondidas. Mal-ditas. Malditas!

Palavras e sua intencional Arte-Sabotagem, seu incontrolável destempero ácido. Reacionarismo ortográfico...

Obsessão impressa de destruir a obsoleta tendência previsível das fileiras encarriladas desses grupos fonéticos de desalinho midiático. Esquerda? Nunca!!! A intenção é escapulir para as diagonais, transversais e retro-rotas. A dança quase erótica de letras perdidas, certeiras em desconstrução, provocação, questionamento.

Hiatos. "Hiato é o encontro de duas vogais tônicas num vocábulo, como em saída (sa-í-da). Os hiatos são sempre separados quando da divisão silábica: mô-o, ru-im, pa-ís." [Wikipedia]. Será o hiato mais um Cisma imaginário ou mero Apartheid silábico?

A vogal, liberação do ar em entonação, me foge junto do resto do fôlego. Perco vogais, consoantes, ditongos, tritongos...

... prefiro ser mais um rebelde adebto das românticas causas perdidas, desertor das construções escritas faladas ou vividas. Um agitador fonético-ortográfico das desconstruções nuas, entregues à bebida e à orgia imaginária entre os prazeres fúteis e puramente efêmeros das letras enfileiradas. Causar desconforto aos que tentam pensar reto e promissor Sultão da Inversocracia desalinhada dos bons e velhos Sonhadores.


Caminho sutilmente, espalhando Caos aos olhos que enxergam em viés inesperado. Antes isso que ver pelos olhos de um morto.


Assinado: a Poesia em Letras, que não só não está morta como bebe, fuma, grita e devaneia.

sábado, abril 14, 2007

INVASÕES BÁRBARAS


Esperou lá fora até a luz apagar e dois instantes mais. Sorrateiramente chegou à janela e adentrou o quarto tão silencioso quanto um sonho manso. Pé-ante-pé, foi ao guarda-roupas, abriu e encontrou o que procurava: a caixinha de sapatos onde ela guardava seu diário. Compulsivamente começou a apagar todas as páginas borradas de lágrimas-de-sábado. Tudo!
Retirou do bolso um pacote cheio de giz de cera e encheu com desenhos infantis as amareladas páginas e devolveu tudo ao seu lugar.
Saiu pela janela como um garoto travesso, com um sorriso exagerado de satisfação: Queria que ela guardasse na memória só as melhores lembranças.
[Dar boas histórias de presente era um passatempo que lhe fazia sorrir feliz.]

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

TODOS DANÇAM NUS NO ELEVADOR DO CAOS

[Da Série Terrorismo Poético - Primeiro Ato]


Um velho mendigo, sujo, barbado e bêbado, trajando um vestido longo vermelho daquela famosa marca. Novo, impecávelmente novo. Dança loucamente no meio da avenida na hora do Rush.

O garotinho de cachos loiros e lindos olhos verdes no ápice de seus 9 anos de idade sobe no telhado de casa e se masturba à vista de todos enquanto brada com uma risada insana: “-Deus não passa de um velho safado!!!”.

Deitado no altar, chora o padre gordo usando uma coroa de espinhos e um ensanguentado manto vermelho do mesmo tom de sua Lingerie, abraçando a imagem da Virgem Maria. Em sua cinta-liga, farelos de hóstias e amassada dentro do cálice de ouro a homilia do dia; “queria morder tua carne ainda no corpo e sentir o sangue quente escorrer na boca, Senhor”.

A velhinha assiste à novela das 8 com um sorriso efêmero enquanto acaricia a cabeça do Rotweiller de seu neto que repousa entre suas coxas. Ele lhe retribui lambendo indecorosamente suas partes.

Todos aqueles carros com um único cartaz no pára-brisas: Logo abaixo da foto de um colorido girassol e em letras garrafais: BEBEZINHOS NATIMORTOS SÃO BENVINDOS À COZINHA DO NHECDONALD´S.

Um casal de idosos saindo do elevador. Ele sentindo-se um Jim Morrison da terceira idade, cantarola Wild Child; ela traz na mão uma versão moderna do Kama-Sutra e na virilha a tatuagem do coelhinho da Playboy . Ambos trajando nada mais que óculos de praia.

Todos dançam nus no elevador do Caos. A promessa do êxtase provocativo é como um pequeno Cocktail Molotov Poético: causa a fagulha explosiva do Terrorismo Romântico.

domingo, janeiro 28, 2007

NOITES DE SÁBADO

“Colocava o cinto e ligava o carro vagarosamente. Apertava o play [sempre tinha suas trilhas sonoras especiais à mão]; conferia o cabelo e a maquiagem no espelho [tinha um jeitinho de colocar o cabelo ligeiramente sobre o olho...]. Nem mesmo três quarteirões adiante, já estava com o esguicho sobre o pára-brisas. Era louca por aquela sensação de dirigir na chuva...”
[todas as chuvas são suas, das tormentas que derrubam a casa aos chuviscos que descem incertos pelo lado. Amo...]

sexta-feira, janeiro 05, 2007

DESASTRONIRONAUTA PULULANTE

O desastronauta perpétuo, desastrado andarilho do mundo imaginário, levara esse tempo perambulando suas [ir]realidades, fuçando letras passadas e imaginações semi-esquecidas. Sonhando...
Era de fato estranho seu relacionamento com os números em giro do relógio, e tornava-se um tanto imprevisível em suas aparições e sumiços: fazia vezes de Coelho Atrasado e Gato de Cheshire, aparecendo em partes, correndo e desaparecendo em todo sem deixar de estar ali mesmo.
Na favorita data, desamarrou laços de fita colorida, entregou caixas, sorriu, chorou, pulou e, como o faz reticentemente, sonhou. Esteve onde devia estar e continua...
Nos seis que teimam em virar sete trezentas e sessenta e tantas vezes, recolheu-se com sua amada boneca de olhar interrogativo e borbulhou inebriantes fogos coloridos na ponta da língua.
Agora era a vez de fazer os dormentes projetinhos pululantes saírem da gaveta um a um e começarem a fazer bagunça. Tinha um calendário novinho em folha pra transformar suas desconstruções em um desfile para olhos tantos quantos resolvessem assim passear.
Da terra inclinada do avesso do espelho, restam coisas por demais a contar, em um outro passeio assim corrido, pois "- é tarde! é tarde!! é tarde!!!"...