segunda-feira, abril 08, 2013

Meu vício pelas letras (ou Como uma livraria mal organizada estimula seu cérebro)


Tenho uma das mais extensas coleções do mundo. É também uma das mais extravagantes: minha coleção de vícios. Provavelmente o maior deles seja o de ler.
É, porém,um vício democrático. Clássicos, poesia, filosofia, ficção, underground, quadrinhos, bula de remédio, letras miúdas de anúncio. Que fique registrado que renuncio enfaticamente à auto ajuda.
Não podia ser diferente. Boa parte dos vícios é genético. Sou filho de “pais leitores”. Minha mãe é uma leitora habitual. Sempre anda com uma pilha de livros e até hoje é cena comum vê-la dormir com um livro nas mãos, quando não borda até os dedos se perderem nos emaranhados de linhas. Meu pai era um leitor cujo gosto me influencia até hoje. Lovecraft, Poe, Tex, Zagor, Conan Doyle. Por uma estranha ironia, um dos primeiros livros que lembro ter lido com meu pai foi “A queda da Casa de Usher”, em que o arco principal da história gira em torno de uma maldição sanguínea que leva a família à loucura. No nosso caso, ao vício.
Como um viciado, também posso atribuir meu problema à minha infância tumultuada ou mesmo à adolescência difícil. Os castigos da minha mãe eram piores que a “palmada disciplinadora” ou a surra da educação. Não, não apanhava. Meu castigo era ler livros escolhidos por ela e depois escrever redações. Como uma boa criança endiabrada, li e escrevi no primeiro terço da minha vida mais do que muitos não farão na vida inteira. Não suficiente, quando percebeu que o vício já havia me tomado, fazia uma permuta astuta, como todo traficante o faz: para cada revista em quadrinhos que ganhava, também tinha de ler um livro à sua escolha. A consequência disso veio na adolescência, quando eu já trocava a pelada do intervalo da escola pela biblioteca. Por conta disso, nunca fui apto à desenvolver qualquer afinidade com futebol, mas de tanto frequentar a biblioteca municipal perto da minha casa, encontrava livros mais rápido que os funcionários e levava pra casa o dobro de exemplares  permitido.
Hoje meu caso é ainda mais grave. Tenho mais livros do que posso ler, desejo ter mais do que posso comprar e compro mais do que devia. Sou um viciado confesso e não tenho possibilidade alguma de recuperação. A medicina desistiria fácil do meu caso.
Minha compulsão chegou à um ponto em que me relaciono com os livros como se tivessem vida – e tem.  Sinto um prazer quase erótico em deslizar os dedos nas páginas, sentir a textura das páginas, o cheiro. E não apenas o cheiro dos novos mas também dos velhos. É como se pudesse inspirar todas as historias que estão nas paginas, mas não em letras. Sentir os lugares por onde andou, as mãos que passaram ali antes... é como uma paixão por uma amante exótica vinda de uma conceituada Casa francesa. Me acostumei a habitar entre livros e eles sempre estão tão perto de mim quanto minhas roupas, minha câmera e meus cigarros. Uma simbiose permanente.
Por causa do vício, blibliotecas e livrarias são meus lugares favoritos. Já tive relacionamentos abalados por causa de livrarias. Me perco. Esqueço o tempo, as horas, os compromissos. Me torno egoísta. Me agrada transitar entre as prateleiras, olhar pra eles, flertar.  Passar os olhos pelos títulos, pelas orelhas, contracapas. A leitura começa à distancia. É preciso fazer apresentações, ganhar intimidade antes de tocar, antes que um livro se abra pra você. Do contrário é só ato mecânico. É comer sem degustar. É sexo pago por prazer imediato.
Por essa compulsão metódica e vício respeitoso, hoje fiquei incomodado ao entrar numa livraria local. Era um caos. Na mesma prateleira Guimarães Rosa, Nietzsche, Marian Keyes, Kafka, Como emagrecer sem sofrer e Tratado de Processo Penal. Era como colocar um grupo de estranhos sem afinidades, sentados um ao lado do outro e esperar um diálogo. Não consegui. Transitei por três minutos e desisti. Simplesmente não conseguia raciocinar e nem encontrar qualquer coisa que me agradasse. Chamei uma das vendedoras e quando perguntei o motivo daquele método (?), recebi a explicação de que “a organização por editora e não por assunto facilita para os vendedores”.
Meu lado de viciado ficou tão inquieto que precisei escrever. Seria possível que não soubessem? ninguém tinha contado pra eles que você só compra um livro em situações específicas. Na maioria dos casos se adquire, adota?

Sou um viciado confesso. Queria que todo o mundo tivesse a chance de fazer a cabeça, de experimentar uma dose, injetar letras, cheirar páginas e páginas. Esse é um caminho sem volta. Por favor, use sem moderação. 


Nota do autor: 
comprar um livro: ato mecânico, funcional de ação limitada e específica, motivada pela necessidade imediata de cumprir os rigores pedagógicos da instituição ou certame, geralmente praticada por mães comprando livros escolares, estudantes em busca de paradidáticos e concurseiros. Recomenda-se ter um coração aberto e incluir outros livros sem a obrigação.
adquirir um livro: ato ocasionado pelo vício, prazer ou paixão instantânea e incontrolável, caracterizada pela troca de valor monetário ela liberdade das letras. Recomenda-se manter longe da poeira, afeto e ausencia de ciúmes.




segunda-feira, janeiro 14, 2013

Clichês e Biografia

Envelhecer não significa ficar velho. Isso é um estado de espírito.

          Usando do bom e velho clichê. Mas clichê é um recorte da vida real. Fato que vira nota em rodapé.
O fato é que a melancolia acompanha a virada, a nova idade. Difícil se eximir de pensar no tempo e nos anos que se amontoam na carteira de identidade. Autoavaliação é o número de velas sobre o bolo.
O fato é que envelhecemos. Ganhamos cabelos brancos e rugas, mas também ganhamos o maior tesouro da vida: Histórias. O incremento da biografia. Nessa receita, as pessoas que conhecemos, os lugares visitados, os filmes assistidos, os livros que foram lidos. Tudo isso compõe o cliche.
O tempo faz o raciocínio mais rapido - antes de torná-lo mais lento. A experiência faz o índice de erros diminuir(mas nunca acabar. Errar também é viver).
Um ano a mais de vida é um capitulo do livro que somos condenados a não conhecer, de fato, o fim. Aprender a conviver com o acúmulo dos anos é um caminho inevitável: não se vence a ampulheta.
Todo o clichê e o biografia fazem buscar um outro chavão, cuja segunda parte é sempre esquecida mas muito conveniente: Carpe diem. Memento Mori.
Envelhecer faz bem.


PS: quanto à você, aniversariante de hoje, como crítico de arte e admirador do belo e efêmero, digo sem medo do erro: Seu sorriso ficou ainda mais bonito desde a última meia noite. Ficará ainda mais e eu quero ser testemunha próxima e participante de cada sorriso-ano que virá.