sexta-feira, setembro 22, 2006

Teresa e seus amores - Parte III

Conforme anunciado anteriormente, Teresa será publicada aqui em 4 partes. Essa é a penúltima...
[o sorriso interrogativo foi passear em horas longas, mas quando estiver de volta os olhos desiguais ainda estarão aqui. Sempre... Amo. Amo...]

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[continuação]


“Os dois dançavam e cantavam. Teresa, que havia aprendido também o dom do vento, misturava-se ao homem-pássaro-brisa. Poty, que fora tocado por Teresa, cantava em assovio entre as folhas de um jeito encantado, como nunca havia feito antes.
Dançaram, até cansar e cair no chão de fim de tarde. Um formigueiro de sorrisos fugia dos dois.
- Tenho sede. -disse ela, enxugando o rosto com as mãos.
O índio passou a mão nos lábios de Teresa e do açúcar que lhes escorria, moldou uma taça rústica. Entregou a ela. Estendeu as mãos abertas ao cajueiro d`ouro e este lhe deu os três cajus mas bem feitos de suas galhas. Poty espremeu os frutos entre os dedos, fazendo escorrer um suco cristalino para dentro da taça. Afastou-se um pouco e sem tirar os olhos de Teresa, sussurrou algo à bebida, que em um redemoinho borbulhante tornou-se da cor do bronze. Com um sorriso entregou à Teresa.
- O que você fez?
- Contei um segredo a ele. Em troca, ele virou cajuína. Virou um espelho da cor dos seus olhos.
Ela experimentou a bebida e se deliciou.
- Um presente pra você.
Ele riu, todo convencido. Os dois ficaram até o sol ir sonhar e a noite aparecer, olhando pra eles misteriosa.
Estrelas pipocavam no céu. Há tempos a noite não usava aquele vestido de festa.
- São lindas, não são? As estrelas... - falou Teresa, parecendo uma criança. Deu uma risada longa, fechando os olhos. Sonhadora.
- Tenho vontade de tocá-las, mordê-las... Ter uma delas só pra mim.
O índio riu ao lembrar de quem eram algumas daquelas estrelas.
- Quero um presente de você. - falou o filho do vento.
- Um presente... - repetiu ela como se já soubesse o que viria.
- O que quer de mim, veloz Poty, filho do vento-águia com o índio curioso?
- Quero seu poema mais doce recitado com o sorriso mais belo e entregue em um beijo duas vezes infinito.
Respirou fundo.
-... pedes um tesouro sem preço e que já é teu, belo Poty. Desde sempre.
Ele se agitava.
- Mas não vou te entregar assim. Ouça-me bem, filho do vento do norte. Já me ensinaste os segredos da mata, a magia do vento e a sussurrar encantos para a cajuína. Tudo isso são cores a mais pro sonho... Da primeira vez que te olhei já era mais que tua. Desde antes do sorriso do sol queimar o céu e fazer nascer a noite. Já eras meu antes mesmo do açúcar fugir da boca da imaginação e se esconder no sorriso dos sonhadores. Nossa história é mais antiga que os amores, que as cores...
Quero de ti, doce índio dourado, uma estrela. Uma estrela pra selar nossa união. Uma estrela só minha pra que seja só nossa.
O índio ergueu-se. Olhava sério para Teresa.
- Nossa história já era contada no zunido das flechas rasgando o ar, no tempo dos deuses, quando os mundos estavam em guerra. Mãe Terra pariu o cajueiro, pra que de meus dedos escapulisse o suco de oferenda a você. Desde que o vento era uma sensação não-nascida, nosso amor já era contado.
- Teresa, filha da negra Noite misteriosa com o Corisco zangado e barulhento, me pedes uma prenda cara, mas eu, Poty, filho da Águia-vento do norte com o Índio curioso que soltou a noite da tucumã, tenho palavra.
Teresa então arregalou os olhos. Só então se apercebia de quem era ele e do que havia lhe pedido.
[a seguir, a última parte...]
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terça-feira, setembro 19, 2006

Teresa e seus amores - Parte II

Do mundo dos sonhos, retorna o desconstrutor com mais um pedacinho de Teresa...
PARTE II DE IV
[continuação]
“ Teresa não conseguia esquecer aquele índio lindo, e em seu sono chamou por ele. Estava caminhando naquela chapada alta. Faceira, colhia flores. Poty a acompanhava com os olhos, se escondendo no assovio do vento das asas dos pássaros dali e no deslize das folhas. Teresa sabia que ele estava lá, mas fingia que não havia notado. Gostava de brincar daquele jeito. Uma brisa correu e mordeu sua orelha:
- vem menina da noite nos olhos. A floresta inteira esqueceu como cantar quando tu foste pra longe. - Sussurrou no ouvido dela. Saiu tão rápido quanto veio, e ela então acordou. Acordou e encontrou três penas no travesseiro: uma verde, uma amarela e uma branca.
Teresa arrumou as penas em um colar e correu em busca do vento. Entrou fundo na mata, sem medo. Na verdade adentrava do domínio de seus sonhos, que eram frondosas árvores de frutos adocicados. Embaixo do Cajueiro d´ouro sentou esperando seu amado.
O vento, sorrateiro como ele, esgueirou-se entre as folhas e sussurrou docemente:
- Sabia que você viria... -Dobrou no ar, levantando folhas.
- Minha curiosidade sempre vence meus pés...
- Belas penas ornamentam seu pescoço. -Riu o índio sentindo-se convencido.
- Surpresas que o vento traz durante os sonhos. -Brincou ela enroscando os dedos no colar.
O vento levantou folhas no ar, rodopiou e deu forma ao índio dourado com pinturas coloridas no corpo e pulseiras trançadas de penas brancas, verdes e amarelas. Ele sorria largamente.
Os olhos de Teresa brilhavam. Tinha um sorriso poético nos lábios.
Poty era da floresta como o açúcar é dos sonhos. Conhecia cada pedra, árvore criatura e som. Conduziu Teresa por caminhos que os homens acordados não conhecem. Catou para ela flores únicas, de cores variadas e cada uma delas tinha uma nota musical. Um ramalhete de cores e música, presas por duas flores de cor incerta: um bemol para dias tristes e um sustenido para dias melhores.
Poty ensinou à Teresa como se vestir de bicho, se esconder sob escamas de peixe, enxergar como o anum e a correr como a capivara. Teresa se perdia sem notar (nem resistir). Poty ensinou à Teresa como arrancar o sangue-tinta das sementes miúdas, para pintar desejos vermelhos em sua imaginação.
- Eu nunca havia visto um vermelho como esse. -disse Teresa olhando para os dedos manchados.
- Foi o desejo em pessoa que misturou tons até chegar a essa cor. Pra proteger seu tesouro, o vermelho único, o escondeu no ventre marrom do urucum-sem-graça.
Teresa esticou os dedos vermelhos e começou a desenhar no ar. Escreveu seu nome tão junto ao de Poty que não se podia dizer onde terminava um e começava o outro. O índio ficou tão maravilhado que mal percebia o vento fugindo de suas asas pra dançar com as folhas.
- Você consegue desenhar sons...
Teresa ria vitoriosa. Prendera Poty ainda mais em seus encantos.
- Desenhar sons é escrever a alma. Ensino a você.
Poty ensinou à Teresa os segredos da mata. Teresa ensinou a Poty a poesia desenhada.
Os dois sentaram sob o Cajueiro d`ouro e conversaram como se já se conhecessem desde sempre. A noite nos olhos dela roubaram o coração de Poty e os dele faziam-na tremer. Conversaram sobre a mágica no vento, verde das árvores e a tinta dos sonhos, pois aquele povo-pássaro sabia bem de sonhos...”

- Teresa fazia poemas, mamãedinha?
- Teresa por si só era um poema.
- E ensinou ele a escrever...
A garota ficou perdida com um olhar distante.
- Ensinou ele a desenhar sons, escrever a alma... Teresa tinha um dom secreto, que nem mesmo ela sabia possuir: tudo o que tocava virava arte, poesia e melodia.

“O índio-pássaro rodopiou em forma de vento ao redor da filha da noite, deslizando entre as árvores, fazendo uma doce melodia flutuante surgir. Teresa dançava fazendo seu vestido se misturar com o próprio vento. Começava a cantar...”

- Mas ela não tinha voz de trovão?
Indagou a pequenina.
- Sim. Cantava com uma voz de trovão, mas daqueles trovões de chuva calma da madrugada, que lhe embalam o sono de uma forma mágica. Faz você dormir sorrindo, se perdendo entre as cobertas.
[continua...]

domingo, setembro 17, 2006

Os amores de Teresa - Parte I

"De pedaços de sonhos flutuantes, cores subversivas, estrelas açucaradas e outros amores, foi feita Teresa."

Primeira parte do conto os "Teresa e seus amores", segundo colocado do concurso Contos de Teresina, promovido pela Fundação Cultural Monsenhor Chaves.

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Teresa e seus Amores - Parte I de IV


“Os vaga-lumes contam que havia uma terra onde o Sol ardia com gosto. Seu toque, pintava de dourado o que lá vivia. Era tão quente que chegava a derreter sonhos. Mas nessa terra, onde o sol escondia seu sorriso, morava a Noite, e ela era linda...
A Noite era uma negra formosa, que usava um vestido enfeitado de estrelas e trazia o mistério em seus cabelos.
Em um dia nublado, a Noite festejava com a chuva e mal percebia seus encantos roubando a atenção do zangado Corisco, tal qual ele roubava a sua com o fogo azul e sua voz trovejante. Eles se entregaram um ao outro de um jeito mágico, e ainda hoje se fala daquele dia: nunca na terra se viu tantos coriscos pintarem o céu em estrondoso zigue-zague.
Dessa união nasceu Teresa. De sua mãe herdou os cabelos, negros de uma forma ímpar. Do pai, a voz de trovão que a todos silenciava quando proferia um murmúrio que fosse.”

- Mamãedinha, ela também se chamava Teresa?
Questionou a menina com vestido de chita e olhos de cajú.
- Sim, querida! E a história dela talvez seja a sua, contada de um outro jeito. Agora fique quietinha e escute a vovó contar o resto da história.
Riu a velha senhora, pitando seu cachimbo.

“Naquele tempo os homens-de-pena e criaturas fantásticas ainda andavam entre os homens comuns, antes de chegarem as crenças e obrigarem a mágica à migrar pro mundo dos contos e da imaginação.
Teresa cresceu entre os dois mundos, pois era filha de duas criaturas mágicas, mas fora gerada na terra dos acordados. Caminhava livre entre o real e o fantástico, e adorava brincar com ambos...
Numa de suas andanças conheceu Poty, o veloz. Poty era de linhagem nobre entre os homens-de-pena, filho do vento-águia com o índio curioso que soltara a noite de sua prisão no caroço da tucumã. Dizem que a noite deu à todos dessa linhagem o direito de virar estrela ao morrer e morar em seu céu negro, em agradecimento ao índio que a libertou de seu cativeiro.
Poty e Teresa apenas se olharam naquele dia, mas já foi o bastante para que a Noite nos olhos dela roubassem – era um dom da Noite roubar com seus encantos - o coração de Poty e a rapidez com que ele corria em volta dela se esgueirando, a fizesse tremer de uma forma estranha. Naquele dia os dois fugiram, com medo um do outro. E Teresa se apaixonou pela primeira vez...
Ela voltou pra casa arfante, subiu à janela de seu quarto e olhou a Noite, sua mãe, encantada com aquele ser dourado. Sua avó, uma velha faceira de um peito só a ensinara a enrolar cigarro e brincar com a fumaça. “Boitatá-boitatá”, ela chamava. E da fumaça azulada surgia seu amigo dançarino do vento, feito de fumaça e vício. “ -Uma boa e silenciosa companhia”, pensava ela.”

- A avó dela tinha um peito só... e ela um amigo feito de fumaça.
Pensava Teresa absorta, enquanto sua avó acendia uma vez mais o cachimbo.
- Minha pequenina de olhos de cajú, há muito mais escondido na frente dos olhos do que a mente pode lembrar... se você souber procurar, vai descobrir personagens incríveis escondidos em cada cantinho da sua vida.

“ Teresa olhava a fumaça lembrando de Poty. Via os casais andando em cortejo, sentados no banco da praça, a bandinha no coreto e as senhoras saindo do Theatro-de-setembro. O som de sapatos estalando na calçada desviou sua atenção. Era aquela moça triste de quintas-feiras, cantarolando penosa. Ela parou embaixo da janela de Teresa, esticou –se toda e ficou tão alta que poderia fazer nuvens com a fumaça de seu cigarro, se ele estivesse aceso.
- Boa noite, menina-mulher que sonha na janela. Esse sorriso não mente e teu peito virgem bate tão alto e rápido que eu poderia ouvir do meio de um sarau. Diz, que infeliz te deu sonhos de presente e esse ar gracioso dos que amam?
- Mulher triste, andas com a cabeça tão alta, com os olhos escondidos atrás de lágrimas e ainda assim vê meu tormento indeciso...
- Menina, não me engana! O amor consome seu tempo e o tormento em seus olhos só perde pro tremor em suas pernas. Não há de esconder de ninguém. Mas diz, quem é esse que te faz encher o sereno com suspiros?
- Um filho do vento. Ele corria entre as árvores e agora dança no meu sorriso.
E ria boba, sem perceber que a cada minuto se perdia mais em amores por Poty.
A mulher alta como o céu se esgueirou mais e acendeu o cigarro na brasa de Teresa, sem perder a formosura esguia. Desatou então a chorar: - toma cuidado, pequenina. Desse mal de apaixonada eu sei bem, e mesmo que tu ofereças o coração em uma bandeja de girassóis, ainda assim te arrancam ele sem dó. Num se pode ter felicidade. Num se pode ter amor correspondido. Num-se-pode, num-se-pode... num-se-pode...
E saiu a repetir, caminhando chorosa pela rua. E Teresa ficara então ainda mais confusa.”

- A mulher era triste por que amava, mamãedinha?
- Não. Ela era triste porque não era amada.



[continua]

sábado, setembro 16, 2006

PRELÚDIO À TERESA

Antes de começar a contar sobre Teresa, resolvi publicar um mini-glossário, para aqueles olhos que não são do Piauí não ficarem perdidos, já que o regionalismo predomina.


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REFERÊNCIAS.

*Teresina tem esse nome por ser uma homenagem à filha do imperador Pedro: Teresa Cristina [teresa+ cristina= Teresina]
*A cidade tem um céu negro diferente, e em suas noites estreladas, parece juntar todas elas pra mostrar em uma noite só.
*É uma das cidades com o maior índice de relâmpagos da America do Sul. Aqui sao chamados de coriscos, que é também umdos nomes da região: Chapada do Corisco.
* Boitatá é uma lenda. Um bicho feito de fumaça, uma espécie de minhoca gigante em forma de fumaça.
*Theatro 4 de setembro, é o nome do primeiro teatro da cidade.
*Teresina é ladeada por dois rios: poty e parnaiba.
* A mulher que se estica é "num-se-pode". uma lenda local, de uma mulher chorosa que se esticava pra acender o cigarro nos antigos postes à gás.
* Cajú é uma das frutas mais comuns da cidade e cajuína é uma espécie de suco concentrado dele. Bebida típica tradicional que tem uma cor de bronze.
*verde, amarelo e branco são as cores da bandeira do Piauí.
* Anum e capivara são animais comuns da região.
* Urucum é a semente de onde se extrai o corante ou colorau.
* O pescador crispim, é conhecido como cabeça-de-cuia, a mais tradicional lenda do Piauí. Um pescador que matou a mãe com golpes de um corredor de boi, e agora assombra as aguas dos rios Poty e Parnaiba.
* Nega Catirina é a mulher que pede a morte do boi, na lenda do bumba-meu-boi.
* "esse seu jeito de mulher com jeito de menina." é um pedaço da letra da musica Teresina, do maestro Aurélio Melo e José Rodrigues.

* Teresina é conhecida como a "cidade verde".
* Parnaiba e Poty, São os rios que cercam Teresina. Parnaiba é conhecido como "o velho monge".
* Nos meses de setembro à dezembro ( os terminados em BRO), a temperatura da cidade sobe de maneira infernal, beirando os 45 graus. Essa época é conhecida como "b-r-o-bró".
* Piau é o nome do peixe abundante no Poty e Parnaiba, que deu nome ao estado.
* a velha cachimbeira, e a velha do peito só, são outras duas lendas locais.

Reabertura desconstruída

Depois de um retiro obrigatório no casulo imaginário, o adestrador de cores e equilibrista de desconstruções reabre as portas do castelo dos sonhos à todos os visitantes.
Devido à mudanças inadiáveis no mundo real, as timidas letras passaram muito tempo sem ser enfileiradas, mas agora retornam com todo o furor e imprevisibilidade que só as palavras tem.
Aos que tiverem paciência de conhecer Teresa, publicarei a partir de hoje o conto em 4 partes.
Sonhe e lembre como voar.
[à minha boneca boneca que devorou mais quatro estações, todas as estrelas açucaradas. amo.amo...]