sexta-feira, setembro 02, 2011

Desculpem-nos o transtorno...



[Av. Frei Serafim]


Somos de uma geração de frustrados. Sim, frustrados. Nascemos - e tomo aqui meus 29 anos como referência - em uma era democrática. No papel ao menos.

Lembro da minha infância quando ouvia com paixão as histórias dos que sofreram a ditadura militar. Dos que militaram com bravura em tempos de longe mais difíceis, onde a panfletagem marginal e a guerrilha eram as estratégias. Haviam poucas câmeras, fotográficas ou filmadoras, e a então Rede Social era feita no boca-à-boca. Naqueles anos, ser um rebelde era uma tarefa árdua e somente os verdadeiros apaixonados seguiam firmes em sua luta.

Lembro do início da adolescência, quando assistia pela TV os “Caras-Pintadas”, que pouco à pouco chegaram à avenida e logo engrossaram as fileiras, provando uma vez mais a força do povo, derrubaram um presidente. Foi lindo, ainda que recentemente o mesmo tirano de sorriso amarelo e jeito fanfarrão tenha voltado a ocupar um lugar de poder. Falha da nossa memória, por demais curta.

Lembro com sorrisos nostálgicos do início da minha vida acadêmica, quando recém egresso no Curso de História da UFPI, me apaixonava pelos grandes mártires das Revoluções Históricas de séculos atrás.

Lembro de pouco tempo depois, quando conheci nomes que me marcariam mais ainda como Bob Dylan, Hakin Bey, Bansky, Nietzsche. Tantos outros. Uns já conhecia, mas não de verdade, daquele jeito de sentar à mesa pra um café e duas xícaras de ideais revolucionários brotarem do peito.

Muitos dos que já leram meus textos, provavelmente perceberam que boa parte do que escrevi é uma espécie de manifesto rebelde. Das causas banais, principalmente. Lembro de ter vivido com um sentimento agudo de frustração, que me corroeu silenciosamente – às vezes nem tanto – e escorria em forma de letras, vez ou outra. Frustração de não ter uma causa, uma luta, uma Guerrilha. Mas Causas temos de sobra e Ação nos falta por demais. Minha maior frustração é ter sido um acomodado confesso. Esperava com aquela visão poética o dia em que as massas iriam às ruas e os protestos ganhariam corpo. O dia não chegou e o rebelde em mim juntou malas e fugiu. Foi buscar um tanto de insurreição em outros terrenos mais imaginários e menos pacíficos. O preço da vida adulta.

Tudo mudou. Uma força inimaginável assumiu o poder. A tão sonhada Democracia, vestiu nova roupa, ganhou novo contexto e em sua linguagem pós pós-moderna, recebeu um novo nome: Redes Sociais. Centenas de milhares de mentes, vozes e idéias se conectando, articulando, organizando... tudo em tempo real. Em modo virtual.

O que parece um contra senso, na verdade chamo de evolução. Se antes os rebeldes se valiam de códigos secretos, mensagens encriptadas e afins, hoje tudo é feito às vistas do mundo. O modo quase perfeito da rebeldia. Quase. Como todas as grandes idéias dos homens, também pode ser corrompida pro uso mal-intencionado.

Hoje acordamos pra um novo momento. Na melhor das hipóteses, somos precursores ativos – ou não – de uma nova forma de luta. Uma nova estratégia de batalha, que se afirma e justifica nas ruas, mas que nasce, ganha seu poder e se transforma no mundo digital. Na pós pós-modernidade, as lutas se dão com exércitos de “zeros e uns”, que quando fora do conforto de suas cadeiras giratórias e telas de LCD, são “uns mais uns” mais tantos.

Quando tive a notícia, estava à quase mil quilômetros de casa. Confesso que minha primeira reação foi a descrença. Mea Culpa. Cheguei. No penúltimo dia dos protestos, como quem chega à praia no dia D, aos trancos e barrancos, mas cheguei.

Aos que acompanharam os noticiários e/ou vivenciaram, sabem que Teresina mergulhou em dias difíceis. A mão pesada da ganância favorecida e legalizada atacou uma vez mais e com seus dedos esguios mergulhou descaradamente em nossos bolsos. Eis que aí o grande trunfo, a mais afiada das armas e perigosa das guerrilheiras gritou: A Opinião Popular. Uma Revolução que começou engatinhando como uma brincadeira quase sem autoconfiança, se transformou em um dos grandes marcos da história local. A multidão de Caras-Pintadas digitais tomou as ruas, queimou pneus, fechou lojas, parou veículos, arrastou transeuntes pra sua luta e mudou o curso do que já era tradição: o aumento desmedido das passagens do transporte público.

Cinco, dez, vinte mil. Quem sabe? No quarto dia de protestos, a peregrinação percorreu as principais avenidas, parando ônibus e outros veículos, arrastando mais e mais manifestantes. Vi adolescentes pichando ônibus e paredes, policiais recuando assustados com medo do povo, gritos inflamados e milhares de incansáveis guerrilheiros sob um sol escaldante, marchando com um sorriso assustador. Era de meter medo, e deveria. É o Estado que deve temer seu povo, nunca o inverso.

Senti uma inveja dos colegas que estavam no início de tudo, dos que receberam spray de pimenta no rosto, dos que caíram correndo da cavalaria, dos mártires sem nome, que passaram despercebidos. Mas fui! Levei minha arma mais perigosa, aquela de tiro certeiro, que “Mata Fascistas” (três salves á Woody Guthrie) e guarda pros olhos o que a mente não esquece: Minha câmera fotográfica. Minha fiel parceira com quem dividi os tantos quilômetros de caminhada e correria. Que me rendeu uma parte da capa de um grande jornal local hoje, que paga meu sustento. Gritei com cliques, protestei com poses. Minha pequena, quase nenhuma contribuição, foi estar lá e guardar não apenas na memória, mas em dados - digitais, assim como o estopim da guerrilha – pequenas frações da história, que ainda que não chegue aos livros, vai ser por muitos anos e para tantos não apenas uma história à contar, mas um sossego à alma dos insurgentes pós pós-modernos.

Não me pergunte se sinto pena dos grandes, que tiveram seus preciosos ônibus incendiados, destruídos. Revoluções não são feitas com afagos, mas com músicas de protesto e suor. Com sangue e fogo. Que eles saibam que seus veículos nos são ainda mais preciosos. Dependemos deles pra trabalhar, estudar, amar. O pecado maior não foi de quem gritou, mas de quem silenciou. Que sirva de lição, e uma lição mútua!

Aos verdadeiros heróis, o meu agradecimento banal é simples: Sonhem. Sonhos moldam o mundo e dão Cor à vida. Seja ela flamejante e negra, tomando o céu, seja ela verde e amarela, tomando os rostos, seja ela azul, na assinatura de um documento.


Desculpem-nos o transtorno, mas não há revolução sem barulho.

#VITORIADOPOVOTHE




[Av. Maranhão - Manifestantes param o trânsito]





[Av. João XXIII - Manifestantes ateiam fogo à um ônibus]




[Av. João XXIII - Manifestantes assistem às chamas e fumaça tomarem os céus]





[Ponte Isidoro França - Manifestantes marcham sobre a ponte rumo ao centro da cidade]




[Praça da Liberdade 5º e último dia de protesto - Estudantes comemoram a vitória]