segunda-feira, outubro 30, 2006

SOBRE DOMINGO, 29 DE OUTUBRO E AS ESCOLHAS

"L'art est mort. Ne consommez pas son cadavre!"
[A arte morreu. Não consumam o seu cadáver!]

Cada povo tem o govenante que merece. Que venha o fogo e consuma o pouco que restou.

[Cartaz e frase: França, Maio de 68]

segunda-feira, outubro 16, 2006

LADO A

Recompôs-se, tratando de esconder a surpresa mas traído pelo rubor das faces. Olhou o relógio e constatou que mal passaram 30 segundos desde a última olhada. Colocou-se de pernas cruzadas elegantemente uma vez mais e tentou pensar sobre outras coisas, enquanto esperava o doce calafrio fugir de suas carnes.
Às vezes os sonhos escorregam pela nuca e dão aquele arrepio gostoso que faz a boca encher de saliva e as mãos se apertarem. Tinha aquela incoerente mania de perder-se em possibilidades tocadas no gramophone de sua imaginação.

sábado, outubro 14, 2006

SOPA DE LETRAS

Arremedo em escritas as palavras em digestão.
Embaralhando a língua nas estrelas apagadas do céu da boca, cravo os dentes naqueles versos nunca ditos por esses lábios desertores.
Não sairão! Não sairão!
Engulo em seco, empurrando goela-abaixo pronomes pessoais e reticências. O faria a noite inteira, não fosse essa interrogação engasgada na garganta...
Sufocado, entalado, vomito verborrágico a sopa de letras mal-digeridas daquele jantar. Antes tivesse me alimentado da chama das velas que desenhavam a penumbra. Queimaria menos, a gastrite que essa palavras gordas, saturadas de ambigüidade e entonação duvidosa me causam...
É o castigo por essa fome desgraçada de palavras enfileiradas, frases e versos. Me torno um bulímico devorador de letras infames.
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[Sr. Pan, crie vergonha e ajeite meu template. tenho saudade dos meus links. hunf.]

sábado, outubro 07, 2006

Cores cores.

Aquele universo de cores que perambulavam à sua volta, trazia uma interrogação em cada. Cores sorridentes, cores afoitas , cores compulsivas, cores exóticas, cores da madrugada, cores sumidas, cores incertas...
Aquarelecia em suspiros longos e lágrimas escondidas. Era um tal de "pinte-se tudo" e "espalhe tons"... transtornava olhos desprovidos de cor com suas aberrantes ilustrações e só, já que por mais que tentassem, cores nao iriam ver.
Pincéis em forma de letras eram o instrumento, e imaginações, suas telas favoritas. Fugia do impressionismo com doses de surrealismo torto e cartum. Desenhava fora das linhas e pintava até as molduras. Cores subversivas que repousavam em delicados traços fugidos de um delírio.
Praticava dança de salão com aqueles azuis mais guardados e rumba com os vermelhos. Tcha-tcha-tchá com as mais animadas.
Cores perambulam sempre e vão pelo caminho que escolhem...
Latas de tinta esparramada em forma de sorrisos de sábados saudosos...

domingo, outubro 01, 2006

Teresa e seus amores - Parte Final

Enfim, a última parte de Teresa. Aos que tiveram paciência de regar os olhos com a doce cajuína, agradecimentos enviados do lado de cá.
[à doce boneca de olhos interrogativos e beijos açucarados]

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Teresa então arregalou os olhos. Só então se apercebia de quem era ele e do que havia lhe pedido.
O índio sacudiu suas quatro asas poderosas, retirou da tanga a faca feita com o grito da mãe do pescador Crispim. Ela brilhava como a lua.
- Teresa, Teresina minha amada, eu arrancaria do bucho do céu todo o azul, se tu me pedisse. Mataria de novo o boi-estrela, de quem Nêga Catirina devorou a língua, e até gritaria mais alto que a voz-trovão de teu pai, se tu assim me pedisse.
- Tua mãe deu de presente aos de minha linhagem uma moradia em seu vestido. Por que iria eu negar-te uma estrela, se é isso que me pedes como prova de amor?

Poty cravou fundo a faca no peito. Do talho escorriam sonhos e cores. A cor do vermelho-único do urucum.
Teresa desesperava-se, enquanto Poty se desmanchava em sangue.
- O que você fez ???
Tentava falar enquanto o soluço roubava sua voz e as lágrimas lhe escorriam dos olhos.
Poty sorria.
- Minha doce Teresa, meu sangue vermelho pinta o agora, mas meu brilho-estrela escreverá na noite dos dias-amanhã o teu nome e o meu. Aqui parto pra cumprir minha promessa. Meus pés velozes não mais tocarão essa terra, mas se teus olhos me beijarem no céu todas as noites, irei brilhar tua cor e ser estrela de um só dono, até que teus pés miúdos também larguem esse chão cinza e voltes pro útero da noite, onde te espero. Não demore, minha amada, ansioso parto pra te brilhar noites a fio, esperando o beijo doce de teus lábios de mulher com jeito de menina.

- Leva em teu vôo meu olhar, meus beijos e minha alma, doce e louco Poty. Hei de todos os dias cantar ao vento esperando tu chegar na noite, e quando te vir minha voz cantará o silêncio, até que minha mãe se compadeça de meu sofrimento e me dê casa em ti, minha estrela amada.

E Poty subiu.
De suas asas poderosas saiam tornados. Em seu sangue vermelho único faiscavam gotas cintilantes. Num pipoco estridente, saíram cores histéricas e músicas atordoantes. O índio subia alto e aos poucos era menos gente e mais sonho. No meio da noite negra, nascia uma nova estrela. Brilhava verde no céu, enquanto as outras eram azuis ou vermelhas. Aquele era o tom de verde da cidade-mulher, sua amada.
E foi assim que nasceu a estrela de cor única, feita de sonho de um amor separado e imaginação ”

- Poty morreu, vovó?
- Não, minha querida. Ele virou uma estrela.
- Por causa do presente da noite ao índio curioso, né?
- Sim... e porque sua Teresa amava estrelas, e queria uma só dela.
- E o que aconteceu com Teresa?

“Teresa sentou e chorou. Passaram-se dias sem que ela saísse dali ou desviasse o olhar perdido do céu. Foram tantas as lágrimas que escorreram de seus olhos brilhantes que ali nasceu um rio. Um rio de forte correnteza, que desliza por toda aquela terra imaginária, onde os seres feitos de mágica iam festejar em tempos remotos.
O rio de lagrimas de Teresa, gotas tristes de saudade, carregava a felicidade das lembranças, o tesouro dos sorrisos e as borboletas imaginárias que nascem no meio da barriga em dias felizes, tudo encharcado pela dor das despedidas.
Por onde cruza o rio de Teresa, que hoje chamam de Poty, nascem girassóis insanos e outras flores subversivas, de cor apaixonada e saudade pintada em melodia.”

- Teresa chorou um rio inteiro. É muito amor em uma pessoa só, mamãedinha.
A velha repousou o cachimbo sobre o vestido desbotado, e com um sorriso brincou apertando o nariz de Teresa:
- Um dia seu coraçãozinho também vai crescer, querida. Vai se encher tanto de amor por alguém, que vai vazar pra alma, subir pros lábios em forma de sorrisos bobos e pros olhos em um olhar perdido, e depois escorrer pras pernas, onde vai virar aquela tremedeira incerta.
Teresa riu marota, apoiando o queixo nas mãos e querendo pra si um amor que causasse tanto rebuliço.
- Teresa não teve filhos, vovó?

“Teresa ainda espera o dia de ir morar com seu amado. Às vezes chora de novo por seu índio, fazendo subir as águas do rio. Há quem diga que ela chorou outro rio por um tal Monge Parnahyba que morreu salvando-a do tenebroso Crispim-pescador, que de tanto guardar maldade nas idéias, ganhou uma cabeça inchada como uma cuia. Mas isso é só fuxico sem rumo daquela cidade esverdeada.
Quando chega setembro e os outros meses de perto, o calor da saudade consome Teresa. É um B-r-o-bró de desejos. Nessa época, a noite tem pena de sua filha, e usa aquele vestido enfeitado e brilhante, pra matar parte da saudade que Teresa tem de beijar seu índio-estela amado. Ele pega carona no corisco e escapole pra dentro de Teresa, nadando no reflexo do rio, até que chegue o dia dos dois terem um só riso-poema, no toque de beijos apaixonados.
Ela, que tem o dom de transformar tudo o que toca, danou-se a parir arte, música e poesia na forma de filhos talentosos. Eles são gerados na imaginação e paridos do bucho do Piau, e se espalham por todo canto. Dizem que eles são parte do plano de sua mãe de misturar de novo os mundos, pra que a mágica saia das lembranças e volte pro mundo dos homens.”

Teresa dormia com um sorriso nos lábios. Sonhava com amores incríveis, homens-estrela e cajuína. Sonhava com o mundo como ele era antes dos homens inventarem a tal realidade. Sua avó acendia o cachimbo uma vez mais, e daquela brasa diferente subiam formas encantadas desenhadas pela fumaça. Ela, que também era filha da imaginação, se perdia em lembranças da adolescência, quando os que hoje são personagens de histórias eram seus amigos de roda. Tempo em que os olhos sabiam ver e todas as maravilhas da realidade fantástica viviam suas aventuras. Bons tempos que hoje são histórias, contos e lendas.
Deu uma longa tragada no cachimbo.
- são histórias, e devem ser contadas, pois enquanto alguém se lembrar elas não terão Fim...