sábado, outubro 30, 2010

Partidas e amanhãs tardios





As paredes do cômodo eram feitas de livros velhos e fotografias desgastadas. Uma luz parca teimava em invadir as frestas da janela de vidro fosco, empoeirado e confuso como sua própria vida. Não era uma manhã tão diferente das outras, salvo pelo majestoso azul do céu ter sido trocado por um cinza duvidoso, aquele de dias nublados onde sonho e domingo se misturam.

Não descia ali fazia tempo. A guerrilha precisava de descanso ainda que o desejo constante fosse de grito. Nos últimos meses havia se tornado mais espectador de sua vida que uma alma inquieta suportava, mas mesmo as bombas precisam de dias de silêncio.

O problema do sossego é o costume. Ele se instala devagar adormecendo o corpo e entorpecendo a mente, e quando menos se espera o coração ganha um ritmo de tique-taque e as pernas entram no compasso de um passeio de fim de tarde.

Mas como bom inquieto, resolvera sair do conforto e outra vez assumir seu posto. Transitava pelo recinto admirando suas histórias e armas, relembrando dias passados quando o mundo era deliciosamente mais complicado. Uma velha foto com Kerouac, em uma noitada qualquer em São Francisco; Nietzsche em uma mesa de bar sem metade do bigode – ganhar aquela aposta me valeu o dia, pensou - Hakin bay, Baudelaire, Che e Bauman discutindo modelos de governo em um inferninho da zona baixa de Paris... todas fotos feitas na velha Dragonflex, a devoradora de instantes.

Debaixo de uma lona desbotada, uma caixa de madeira com apliques em silk de Pop Art. Guardava ali seus acessórios favoritos, ferramentas e fetiches. Páginas em branco e traquitanas sem uma utilidade aparente. Um desenho de Camões com seu tapa-olhos – todo bom pirata precisa de um. Poetas, igualmente – estruturas de sílica e uma placa de bronze esperando inscrição.

Sem dar tempo ao seu próprio bom senso, começou a encher a mochila verde com seu maquinário duvidoso. A rebeldia era uma poesia supersticiosa. Devia ser feita rápida e sem muito cálculo ou os sapatos do convencional teimariam em não dar lugar ao All Star do vandalismo romântico. A arte sabotagem não pode perder tempo com o esmero do planejamento sob pena de se tornar estratégia mecânica. Brota do desassossego imediato que quanto mais inconveniente, mais se grava nas histórias secretas das pequenas lutas contra os grandes ditadores. E o conformismo é o pior dos tiranos.

Não mais que dez minutos e já estava na estrada. Bob Dylan e Jim Morrison cantavam a partida breve, antes que o sol voltasse. Outra vez caçaria fascistas do comodismo, daria nomes falsos, provocaria desordem e a arte sabotagem silenciosa, sem esquecer da regra de ouro: Nunca seja pego.