quarta-feira, dezembro 19, 2012

SOBRE AMOR E OUTRAS CERTEZAS


Amor é imprudência. 

É inventar desculpa pra sentar do lado de um estranho em um bar qualquer só pra ouvir de perto aquele sotaque.
É passar horas de uma noite descobrindo afinidades, coincidências assustadoras e farfalhar na imaginação. É pensar que a luta no ringue adiante não devia acabar, mas dar mais tempo ao embate silencioso de olhos.
É quando todo mínimo toque é muito e o muito é, ainda assim, pouco: É querer mais.
É quando na primeira despedida se sente as pernas trocarem e a incerteza vir em forma de suor de mãos. É o espaço de tempo que divide a entrega de um numero-convite em papel e o olho que segue até não alcançar mais: Se chama despedida cinza.
No amor, toda casualidade é farol. Brilha na luz da hesitação. Grita no ouvido, ainda que a teimosia da dúvida se faça de âncora. [Não existem dúvidas no amor, tudo é certeza tímida que acena e faz charminho]
Amor é quando se descobre no primeiro beijo que o mundo explodiu. Que não existe outro, outras, outrem.  Aquele primeiro é o último primeiro beijo que se quer.
Amor torce o cronômetro e avessa a física: quando menos se espera a visita dobrou o sol, guardou no bolso e tornou a soltar na manhã seguinte (e não se fica satisfeito). A ampulheta deita e assim se congela o tempo.
É quando o nariz descobre que o pescoço é praça de passeio constante. Quando se vira pintor surrealista de aquarela imaginária nas costas do ser amado: o dorso curvo é uma tela que nunca se acaba de pintar.
Amor é janela de cego. Mapa em braile a se traçar e repetir com dedos atenciosos e curiosos: uma descoberta nova e familiar à cada toque numa rotina que nunca se cansa.
É amor quando seu banheiro vira varal e sua cama ganha travesseiros novos: Amor é designer de interiores, seja de cômodos ex-solteiros, seja de coração-sala ex-vazia.
É acordar no meio da noite e sentir no braço dormente o aconchego confortável dos amantes: formigamento na alma e no corpo, convulsão sorridente.
Amor é quando se é imprudente. Quando se morde a língua e faz o que prometeu nunca fazer. É apostar alto: Não há espaço para blefes na mesa do café da manha.
Amor é feito relâmpago, que surge antes do barulho. É fatal na vida de um e funde dois. Faz bater coração de lata e transformar pedra em suspiro: constrangimento consentido diante da plateia de amigos.
Amor não tem vergonha. Amor é sem vergonha. Se livra de roupas com a facilidade que um cigarro se esvai. Sim, pode fumar aqui.
Amor não é quando completa, mas quando acrescenta. É somar com cara de dividir numa operação matemática complexa que se resolve um dia por vez, mas se define as variáveis num único beijo que se repete com todos os exageros que a vida permite:Todo amor é teórico-prático de insurreições algébricas de corpo-alma.
Amor é inconsequente e renova todos os dias a promessa rebelde de revolução entre as colchas, entre as coxas, entre as conchas. É uma criança com uma caixa cheia de dinamites. Amor é acender o pavio e esperar junto pela explosão: explosão, incêndio e nunca cinzas. Sempre fogo, mesmo quando o coração muda de salsa para tango.
Amor é tudo isso e um pouco daquilo com uma pitada daquilo outro. Amor não é um amontoado de anos – tempo tempo tempo – amor é um dia por vez, sem virar a folha do calendário: no amor, é sempre hoje.


quarta-feira, outubro 24, 2012

Vergonha Nossa

(manifestante durante os protestos estudantis de 2012 - Teresina/Pi)



          Ontem quebrei minha promessa e assisti ao debate dos dois candidatos ao 2º turno das eleições municipais de Teresina.
Não vi propostas, não vi soluções, não vi seriedade. O que vi foi um festival de troca de acusações e um grande teatro. Me lembro logo da letra do Rage Against the Machine: "eles aparecem como dois, mas falam como um". E é isso. Dois lados idênticos de uma mesma política corrupta e vergonhosa. 

         Por quase 5 anos fui acadêmico de Direito. Entrei na faculdade com aquele sonho estúpido, aquela ilusão boba de que o mundo era um lugar bonitinho e a Constituição era o grande escudo da democracia moderna. Desencantei. Conheci a corrupção em todos os níveis e esferas dos três poderes.

         Lembro bem que durante os mandatos do candidato que tenta voltar, nada foi feito pela cidade, senão a implantação de um sistema conhecidamente fraudulento de multas de trânsito, merenda escolar enterrada, desvio de verbas. 
        No mandato do que ainda é e tenta ficar, o que me vem logo à memória é tudo o que vivemos durante os protestos de setembro de 2011 e janeiro de 2012.Lembro bem a postura do Sr. Prefeito Bigode, que quando não se escondia com medo de assumir a posição de governante e evitar que a cidade chegasse ao caos, ia pros meios de comunicação bem pagos pelo seu bolso numa tentativa ridícula de manipulação, criminalizando o movimento e os estudantes. 

VOTO NULO e explico: Não quero ter na minha consciência a responsabilidade de ter contribuído para colocar mais um boneco sujo na cadeira. Que não me venham os iludidos com a escusa de que "quem deixa de votar colabora pro outro". Pergunto: que outro? pra mim são todos o mesmo.
Não votei, não voto, não votarei. Esse é meu protesto contra um sistema corrupto, repressivo e de pura aparência. Não respeito o processo eleitoral e nem candidatos enquanto pessoas realmente sérias não se apresentarem ao certame. 

É direito de um cidadão viver na ilusão na cria. Não tenho dó de quem alimenta o Lobo do Sistema com sua própria ignorância. 

Voto Nulo porque me envergonho dos candidatos que temos.










sábado, fevereiro 04, 2012

VÍCIO AMARGO E QUENTE

[...e outros pecados da língua]



Sempre tive métodos nada ortodoxos de avaliar pessoas.
O mais cruel deles é o ritual do café. Convidava com aquele sorriso de navalha para tomar um café – armadilha inclusa. Dependendo da resposta, caía de imediato na bula dos esquecidos, na caixa restrita de pessoas evitáveis.
Condeno a identidade pelo conteúdo do copo. Não nego. Sou um carrasco megalomaníaco, no que diz respeito a bons hábitos ruins. Beber café é a primeira chave do voto de confiança. Os maiores criminosos eram abstêmios do “despertar negro”. Há exceções, claro. Mesmo bandidos podem ter bom gosto, e café é a última cota da arte de permanecer atento.
Passado o primeiro passo, o da afinidade do vício, sigo para o hábito em si. Tomar pouco café é como o que não senta no boteco para o segundo chopp: faz todo o percurso mas se retrai às portas do paraíso. Tomar uma xícara pela manhã e só, não faz de você um monge de olhos abertos. No máximo um coroinha do sagrado rito, que nunca ascenderá à tocador de sino, ou mesmo de Papa da madrugada. Beber muito café – diga-se, ser um devasso da garrafa, o terror da repartição, o chato da empresa e o tormento da copeira – é qualidade de gente inquieta. O café está para a criatividade como o dinheiro para a calcinha da stripper.
Mas não é só beber e beber muito. Tem de beber do jeito certo.
- Café frio é como beijo de anjo na chuva: gelado e sem tesão. Café tem de ser quente. Arrancar aquele suspiro discreto antes do gole, disfarçando pra língua, a brasa sorrateira;
- Café fraco é coisa de gente covarde. É como ir na festa e tomar cocktail sem álcool. É aquele sujeito que usa cinto e suspensórios, porque não tem coragem pro risco de ficar sem calças. Café bom é aquele forte, que fecha um dos olhos do degustador, tamanho estalo que gera no cérebro. Se não causa aquela experiência de Lázaro, arrancado da tumba de volta à vida, não compensa. Soco no palato com suspiro de satisfação. Sensação de ter o cérebro momentaneamente pressionado contra uma bateria de caminhão por um golpe de dois tijolos.
- Café doce é coisa de gente amarga e gananciosa. Que precisa de motivo pra ficar feliz. Que precisa descarregar colheres e colheres que nunca vão dissolver e no fundo da caneca vira aquele rastro grudento e estranho que irrita a dona da casa. Na gastronomia açúcar é o ditador do sabor. Não se toma café doce, se “acrescenta um torrãozinho” pra temperar o cigarro seguinte.
Outro item que convém - talvez seja o mais importante – é a qualidade do pó. Quem economiza no pó do café não pode ser bom marido, bom amante ou bom amigo. É marido que compra pão dormido pela impaciência de esperar os 15 minutos da próxima fornada: o desdém da manhã de sábado. É quem toma banho antes do cigarro no pós-coito. É quem evita 3 minutos de empenho dos ouvidos quando o vizinho sofre. Pó de café tem de ser de boa qualidade, sob pena do ostracismo das visitas de meio de tarde e de um lado da cama vazio na manhã seguinte.
A variação da categoria é o que usa o café solúvel. É o ócio do apressado. A casualidade dos que tem o sono à toa, mas não arriscam. É o fingimento dos semi-acordados, com uma caneca de meio despertar na mão. Nem dormindo, nem acordado: um pedaço de realidade deslocado entre lá e cá.
Sempre tive preconceito, confesso. Mantive um pé atrás com os tomadores de Nescafé durante anos. Conspirava secretamente um pequeno ato de terrorismo que afetasse seu ritual, fosse um tropeço, fosse um seqüestro. Planejava silenciosamente estragar todo o seu quase-trabalho. Seria como impedir um crime grotesco: perfeitamente aceitável pela sociedade.
Mas a língua é um pedaço maldito. A mesma que degusta o bom sabor, faz pagar pelo pecado. Então a conheci... Ela tinha dotes de culinária diplomada e dom pra cozinha [Dentre outros tantos]. E... mania de Nescafé. Fui traído. Primeiro me apaixonei e perdi todos os conceitos e travas de segurança. Só me restaria – em condições normais – a salvaguarda do café. Tarde demais. Quando descobri que ela tinha aquela mania de café solúvel e leite pra começar o dia, já havia me perdido na inevitável condição de desejar acordar todas as manhãs dividindo o armário da minha caneca de café puro com a dela de Nescafé e Leite.
O amor é uma coisa estranha.

quinta-feira, janeiro 26, 2012

Sobre Rosas & Cores



Nunca havia mandado rosas. O perfume delas lhe trazia à lembrança um cheiro de morte. Isso não quer dizer que não mandaria outras flores. Mandaria girassóis, aquelas grandes e desajeitadas flores amarelas, cheias de dentes, cuja ousadia lhes fazia girar e ver meio céu por dia. Talvez optasse por orquídeas, as trepadeiras vadias cuja sobrevivência dependia de abrir as pernas e abarcar quanto caule lhe fosse possível, sem perder seu charme. Havia uma certa beleza irônica nisso.

Poderia parecer que não era romântico, o que de fato se tratava de um terrível engano. Era dos canalhas o mais romântico. Mas não desses românticos de voz melosa e braços abertos, que levava um joelho por terra e recitava o que a grande maioria entendia por poesia. Era um imoral. Um devasso, cujos poemas de amor jamais seriam publicados em um jornal qualquer do mundo, no dia dos namorados. Sua poesia era aquela que brotava na noite, sob a meia-luz de um recinto, fosse ele um inferninho cujo nome não lembraria ou um quarto de motel com placa em neon-escárnio, em uma estrada qualquer onde o mundo joga seus perdidos. Seu romantismo não tinha coração. Era todo dentes, bocas e mãos. Era versos sujos, recitados com língua dormente de álcool mas acesa como a chama dos infernos. Suas palavras eram extensão de seu próprio corpo, com uma dúzia de mãos a acariciar quem ouvisse.

Não era dado a apegos formais, mas perdia-se em vontades e imaginações devassas do amanhecer ao anoitecer, fosse ou não regido por pequenas pausas para um cigarro. Apegava-se a delírios, tesão e admiração. E não, isso não era como uma paixão qualquer, era por si um ato egoísta de ver em alguém o que tinha em si. Amava-se nos outros, e por vezes seguidas com interrupções meramente humanas.

Gritaria à janela, dançaria a dois, mas sua concepção de matrimônio era em um bar no México onde o sacerdote era um barman de traços indígenas e a valsa um misto de Rolling Stones e The Coasters, numa dança suada feita de olhares, sorrisos e coreografias improvisadas.

No mais, era um canalha confesso. Sua idéia de fidelidade era sua própria satisfação. Por sorte, sentia-se satisfeito em dar prazer tanto quanto em receber. Era culpado e admitia com um sorriso alto e olhar ordinário, desses que não se vê antes da 6ª dose de tequila.

Prometia-se, doava-se. Sem se perder do próprio umbigo. Era intenso e voraz, sempre faminto do que desejava. Não planejava amanhãs. Seguia seu próprio rumo onde seus dedos o levassem, rindo satisfeito contanto que ali, ao alcance de suas mãos estivessem todos os prazeres de que necessitava pra viver, inclusive um baseado e alguém que o atormentasse em cada um dos sentidos, fossem de seu corpo ou de sua imaginação.

Mas não mandaria rosas, nem recitaria poemas de amor qualquer, que não o amor louco: o mundo tinha muitas cores normais pra que não usasse sua própria aquarela surreal.

domingo, janeiro 08, 2012

08 de janeiro, dia do Fotógrafo









Hoje é dia do fotógrafo!

Isso leva inicialmente à uma reflexão: Não é o fato de ter uma câmera que faz de alguém fotógrafo. Viver da arte, estudar e principalmente ter consciência que fotografia não é apenas apertar um botão. É guardar momentos, compor com a luz, transformar o mundo com desenhos da realidade. Ser fotógrafo é dar aquele sorriso de satisfação pro seu cliente, 20 anos depois quando ele vê aquele álbum de um dos grandes momentos de sua vida. É um ato de apropriação da história alheia, devorando com os olhos e se transfomando em parte da biografia, mas não com seu nome e sim com sua arte. É não esquecer jamais que aquilo que você fotografa é que é o mais importante, você é apenas o cara que estava atrás da câmera.
"Glamour" da profissão, meus caros, não é ter seu nome lembrado, mas sim suas imagens. Isso é ser fotógrafo!

Minha imensa admiração aos grandes mestres, que abriram - e abrem - nossos olhos cada dia mais pro caminho do clique perfeito; aos colegas que atuam nas mais diversas áreas, social, publicidade, fine art, autoral e principalmente fotojornalismo. Todos tem seu mérito, seu valor e sua importância.






(Foto Raul Leite - de pé à esquerda Igor Prado, à direita Caio Bruno, abaixo Regis Falcão)

(Foto Raul Leite, todas durante a cobertura dos Protestos estudantis em Teresina - à esquerda Igor Prado, Caio Bruno, Regis Falcão)


(Foto Raul Leite - à esquerda Igor Prado, Victor Gabriel, Regis Falcão, Raul Leite e Mauricio Pokemon)



quinta-feira, janeiro 05, 2012

COMODISMO X REVOLUÇÃO


Meus queridos amigos,
Muito bonitinho vocês dizendo pra que os protestos ocorram com florzinhas e canções. Muito poético vocês acharem que a vida é um musical da Disney e no meio da luta estudantes, prefeito e polícia vão dançar e cantar sorridentes. Muito inocente e fofinho vocês acharem que os estudantes deviam ficar na calçada balançando bandeiras e cantando de cara pintada e sem interromper as vias, apenas agitando os braços sem incomodar, como o fazem aqueles bonecos de posto de gasolina. Respeito opinião de vocês. Deve ser legal viver nesse mundinho à parte, chamando de vândalo, baderneiro, arruaceiro quem luta pelos direitos e briga com o Sistema, mas sinto informar que a vida é menos coloridinha e risonha. Não existe Revolução sem barulho, Mudança sem incômodo e muito menos Luta sem desordem. Saia da sua zona de conforto. Acorde pra vida. Não acredite em tudo o que lê do conforto de sua cadeira giroflex, na sua telinha de lcd. Vá pra rua. Veja e faça a sua opinião baseado nos seus próprios olhos.
Respeito seu direito à ter uma opinião, meu caro, mas reitero o convite pra que ela não seja superficial e baseada numa série de interesses alheios que desviam da realidade dos fatos.
A Luta é justa. Os métodos são válidos e a realidade do movimento não é aquilo que você vê de longe.
Incomoda? sim, muito! e deve incomodar! parar o trânsito, atrapalhar a ida e vinda de terceiros faz parte. Infelizmente não há como ser brando quando a questão é tão séria.
Restam duas opções: continue criticando o movimento, os "estudantes arruaceiros" do conforto de sua casa, do frescor do ar-condicionado de seu carro, alienado pela própria ignorância, pela própria falta de vontade de fazer alguma diferença no mundo, acorrentado pelo seu comodismo vergonhoso ou vá pra rua e veja com quantos gritos se faz uma mudança.
Nas palavras do Livro Vermelho:
"A revolução não é um convite para um jantar, a composição de uma obra literária, a pintura de um quadro ou a confecção de um bordado, ela não pode ser assim tão refinada, calma e delicada, tão branda, tão afável e cortês, comedida e generosa. A revolução é um insurreição, é um ato de violência pelo qual uma classe derruba a outra."
#contraoaumento
#contraaintegraçao