segunda-feira, julho 06, 2009

INGLÊS NO PESCOÇO.

Nas segundas era todo engomadinho. Levantava trinta minutos mais cedo que o de costume, pra poder fazer a barba com zelo.
Nessa ocasião trocava religiosamente as laminas do aparelho. Era dado a superstições bobas e laminas com mais de três usos atraíam má sorte.
Fazia a barba com a paciência e a precisão artística de um escultor. Mirava e deslizava suave a navalha até que julgasse seu rosto digno de uma segunda-feira.
Limpo, barbeado e com um leve tom vermelho-azulado nas maças do rosto, parecia mais profissional que o velho gerente do andar de cima com sua abusada colônia de rosas e o paletó quadrado desbotado de trinta e dois anos de empresa. Sentia-se invencível e ninguém podia contradizê-lo.
Era perfeccionista e de fato não arredava o pé até que estivesse com aquela aparência de coluna de mármore, perfeitamente lisa. Era quase como um pequeno ritual de purificação reservado exclusivamente para as segundas, já que a barba de quarta era consideravelmente menos criteriosa e a de sexta uma verdadeira incógnita desleixada. Talvez quisesse com aquele ato sanguinolento de maltrato às curvas de seu rosto, compensar a falta de limites do fim de semana, como se quisesse se livrar de tudo aquilo de condenável que fizera.
Complementava com uma bela e fina gravata atada com "nó inglês" perfeitamente arrematado. A gravata escolhida à dedo para combinar com a camisa bem passada com vincos laterais bem destacados. Ne quarta feira era a primeira que lhe viesse à mão, e da quinta em diante um "deus dará".
Mas na segunda era assim, barbeado, engravatado, alinhado. Perfeitamente concentrado e funcionário exemplar, até que o monstro da semana lhe devorasse o zelo e a vaidade dando em troca as rugas na testa e à gravata um mal feito nó de "Windsor" que resumia toda a mixórdia de sua conturbada semana.
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[visitem também: www.flickr.com/photos/rfalcao ]

6 comentários:

Maria Brasileira disse...

Bem, o seu personagem é do tipo que tenta começar a semana, teve um bom domingo, bom o suficiente para achar que pode recomeçar sempre às segundas. Em regra as personagens do meu blog são o contrário, varidas por uma solidão existencial e social mal conseguem acordar na segunda, e quando acordam tentam desesperamente sair debaixo da cama mas não conseguem pois tudo o que querem é não existir. A semana, quando elas começam lhes devolvem a dignidade de existir, sentem-se cidadãs, incluídas. Acho que na sexta estão bem mais bonitas do que em qualquer outro dia, a esperança de um bom dia de folga, mesmo tendo a certeza do isolamento, nunca perece ou pelo menos não perece até que a própria vida se vá.
Um beijo! Maria Brasileira

Maria Brasileira disse...

Olá,

Tomei a liberdade de publicar meu comentário ao seu artigo e recomendar a leitura aos leitores do meu blog.
:)
Espero que veja como uma singela homenagem ao sua excelente redação e perspicácia do diferente mundo masculino.

Um beijo
Maria Brasileira

F. Reoli disse...

Muito bom... eu já desisti de me barbear, mas ainda assim sou engolido por esse monstro chamado "semana"...rs
Abração

myra disse...

como sempre Otimo!!!
um grande e forte abraço, myra

Roberta disse...

São muitos os cotidianos atos da purificação, inconscientes rituais de pequenas obsessões, ou deliberado escapismo, a fim de transpor, mesmo que por instantes, uma rotina amesquinhada pelas obrigações. Adorei o texto. :)
Beijos,

Para não secar disse...

Fico pensando que diabos ele faz do sábado... Talvez não levante da cama, como numa depressão. Penso que ele é uma fênix semanal. Domingo são só cinzas, segunda, renascer e beleza!