sexta-feira, agosto 03, 2007

ASAS DO AMANHECER

Naquela manhã tinha acordado com vontade de voar.
Não era um bocejo sorridente, nem tão pouco rugas de um despertar rabugento. Talvez o olhar de um amanhecer monótono...
Levantou da cama, e cruzou a casa com um olhar distante sem distribuir bom dias ou sorrisos de cara inchada. Simplesmente andou calmamente até a porta dos fundos sem ao menos se preocupar com o alarme ou com aquele ridículo e confortável pijama. Andou até o batente do quintal. Sequer lembrara da existência de todos aqueles prédios e olhares curiosos que sempre espreitam das varandas da vizinhança. Apenas abriu os braços e começou a voar.
Nunca fizera aquilo antes ou soubera de qualquer um que o tenha feito. Mas fez. Se lançou ao céu como se caísse pra cima. Uma desqueda invertida para um mundo de vento e nuvens.
À medida que sentia o mundo sem asas ficar à centena de pés dos seus próprios pés, misturava a sua vida blues com o azul daquele mundo leve. Pouco a pouco a existência que conhecia se distanciava. Não olhava para baixo, mas a vibração que lhe percorria a barriga e explodia no umbigo dava a certeza de que já estava à uma terrível e maravilhosa altura. Sentia a resistência do ar entre seus dedos e em seu rosto. O peso do vento livre que vez ou outra cai, tombando janela a dentro em um deslize pela cortina.
Sem pássaros ou nuvens. A rarefeita atmosfera não lhe incomodava. Sentia a gravidade perder sua jurisdição e quase não conseguia lembrar que um dia já tivera os pés no chão... alto!! Alto!!
O azul do céu agora se transformava no silencioso e descolorido frio. Nem mesmo um grito – se gritasse – seria ouvido. O silêncio parecia ser o senhor daquele novo mundo onde o tempo mais parecia uma canção de ninar em braile cantada à ponta dos dedos.
Subindo... subindo... os joelhos começaram a procurar o peito e os braços a envolver as pernas. Um abraço tão apertado quanto pudesse ser naquele mundo de regras incertas.
Começou com um formigamento que parecia vir da própria alma e deslizava para o umbigo, se espalhando pelo resto do corpo. Mesmo de olhos fechados, podia ver o brilho que saia de seu corpo embolado. E aquilo crescia. Parecia gritar dentro dele. Poderia ouvir seu corpo aos berros, não fosse aquele um mundo de silêncios. Por um instante pensou em cair pra dentro de si e aliviar a dor e o calor que agora o enlouqueciam, mergulhando em sua própria limitação e ser um buraco negro de existência cadente e retorcida. Mas não. Não faria isso. Preferiu abrir os olhos no ultimo instante e assistir sua existência explodir em um milhão de anos por segundo, em pipocos escandalosos de puro silêncio e cores berrantes em fogo. Espalhava-se pelo cosmo até que esquecesse que já tinha sido humano, tornara-se estrela entrando em nova e agora era pouco mais que uma fagulha vagando no silêncio.
Seria lembrado até que todos o esquecessem.

5 comentários:

Anônimo disse...

Taí um texto que faz pensar... pelo visto ficarei habitué do local... prepara as xícaras e os cinzeiros, mon ami...
Abração

Antonoly Maia disse...

Oi amigo, excelente texto, como sempre!!!
Um abraço e tenha uma boa semana!

Mariana Arraes disse...

ô regislógio... eu adoro passar aqui e ler esses seus contos... é remédio certo pra desestressar, acredite! grande abraço, querido!
=*

Patrícia Noleto disse...
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Lou Witt disse...

Ah, esse texto!!! A primeira vez que o li viajei sob os mares de Floripa sem ao menos saber quem o tinha escrito. Fiquei maravilhada e agora mais ainda!