quarta-feira, dezembro 07, 2011

VAGABUNDOS ILUMINADOS - (Dharma Bums)


Tenho orgulho em dizer que meus maiores ídolos são negros, junkies ou gays. Pornógrafos desregrados, agitadores. Inimigos do bom-mocismo e do conformismo. Filósofos de alma selvagem, vagabundos iluminados. Deuses-poetas. Monstros divinos, que subverteram todas as regras, contrariaram todos os costumes e padrões. Gigantes que na sua maioria teve uma vida breve e cheia de excessos. Adeptos do amor-livre, defendiam a justa causa da liberdade de escolha. O amor/sexo em todas as suas manifestações. Sagrados Terroristas que sacudiam o mundo com suas músicas insanas ou com suas letras provocantes. Baderneiros por excelência. Histéricos Hipsters, que experimentaram de tudo, de todos. Que encontraram nas drogas artificiais assim como na embriaguez da vida a dinamite para explodir o mundo. A mão que estapeia o rosto dormente dos caretas.

“Meus heróis morreram de overdose”. Trafegaram todas as estradas do corpo até que se tornassem apenas mente: mens insana, corpus fragile. Vanguardistas da benzedrina, visionários. Xamãs dopados de peiote, whisky e LSD que enxergavam tão além do que as mentes mais simplórias jamais poderão calcular.

Quando ouço alguém dizer que não os conhece, ou pior ainda, que não passavam de “Maconheiros, sujos, vagabundos, bichas”, sinto pena. E a pena é o mais negro e desprezível sentimento que se pode ter por alguém. Sinto isso por uma simples razão: por saber que a repulsa que têm pelos Divinos Deuses Escrotos, nada mais é que uma negação de algo que se sabe no fundo de sua alma. Aquele verme da inquietação que sussurra nos sonhos e os faz acordar suados e rancorosos. A negação de que do alto de seus Manolo Blanic, embaixo de seus Armani, atrás de seus mestrados e doutorados, existe uma criancinha faminta mas assustada demais para perder a “doce inocência” e experimentar um pouco de vida. Existe um pedaço de carne com nome & sobrenome orgulhoso cuja passagem pela terra será apenas de deixar marcas de sapato em tapetes caros e uma ficha limpa. Escravos do Sistema. Existe ali uma inveja inconfessa dos que andam nus e sujos, com um sorriso satisfeito, os Vagabundos Iluminados. Mais cômodo e seguro é ficar na sua poltrona confortável de sua sala perfeita que abrir os olhos.

Mais difícil é reconhecer que os Vagabundos são merecedores de toda a glória que os rebeldes lhes pregam e, orgulhosamente mais ainda, do desprezo que os normalóides lhes tem. Há tantos nomes e tantas alcunhas: Jim Morrison, Jack Kerouac, Bukowski, Hakim Bey, Neal, Hendrix, Burrowghs, Thompson, Ginsberg, Joplin, Winehouse, Cobain, Baudelaire, Miller, Nin... nenhuma lista seria capaz de ser justa. Menos mal. A rebeldia é alguma coisa além de nomes. Ela prefere atos, desacatos, provocações, ainda que alguns títulos sejam o topo de seu panteão místico e efêmero.

Jim Morrison, o inquieto poeta que passou de menino tímido, aterrorizado com o palco à Lagarto-Rei. Ícone da banda mais estranha já criada, The Doors, que teve seu nome inspirado em um poema de William Blake citando Huxley: “Se as portas da percepção estiverem limpas, todas as coisas se apresentarão ao homem como são: infinitas”. E era essa a grande guerrilha de Jim. Quando subia ao palco sua performance louca, contorcida e totalmente instintiva, lembrava um índio possuído, dançando aos deuses de nome secreto. Morrison foi o Grande Xamã, poeta das inquietações da alma, da busca pelos excessos e do fim dos limites. Convidava às cerimônias profanas e caóticas que acordavam a alma e faziam o corpo suar. Instigava a depravação sem censuras: Libertem-se. Suas letras são como um passeio no Jardim das Delícias Terrenas. Um agitador de voz melosa que convocava aos Santos Maculados à uma experiência fabulosa. Agitador risonho, morreu em sua banheira de uma overdose de álcool e heroína. Um Profeta místico, cujo plano secreto era roubar a “inocência” dos corajosos. “It´s everybody in?”;

Jack Kerouac. O caronista bêbado de sandálias esquisitas. O delinqüente supremo das letras. Sofria de uma aguda inquietude da alma, doença séria e altamente contagiosa. Era frenético em tudo o que fazia. Quando botava o pé na estrada, alimentado de torta de maçã e sorvete & todo o álcool e drogas que encontrasse, perambulava agitado entre os mundos, contemplando a liberdade que só os Vagabundos mais Iluminados experimentam. Vivia tudo o que podia com uma fome louca e selvagem que jamais se saciava. Era um viciado na vida. Acompanhado de sua gangue, Neil, Allen, William e outros tantos, Jack revolucionou a literatura e chocou a sociedade. Seus livros eram relatos de suas aventuras loucas, e sua prosa rica de uma poesia crua e afiada, consequência de sua escrita frenética. Um maníaco que quando possuído pelo demônio das letras, escrevia frenética e ininterruptamente. Baderneiro e provocador, dava entrevistas bêbado, respondia às perguntas em Joual (dialeto francês de Quebec), italiano, espanhol, com um tom cínico e sarcástico. Deleitava-se com a inconveniência. Sua mente iluminada aterrorizava e encantava. Despertava – e hoje o faz ainda mais – a vontade de pegar a mochila, esquecer os preconceitos, a segurança e a responsabilidade mundana, e cair na estrada. Desbravar pelo coração das cidades, sua própria alma. Kerouac é o mais potente elixir alucinógeno da insurreição particular. Ao experimentá-lo, uma estranha conseqüência se manifestará e sem que perceba o usuário tomará para si a mística receita: “Não há nenhum lugar onde pudesse permanecer sem cair no tédio e também não há lugar algum pra ir senão todos os lugares.”;

Jimmy Hendrix, o Deus Negro da guitarra. Seus acordes ousados eram como tesouras a cortar os cordões dos homens-fantoche. Enquanto nos conservatórios se aprendia a tradição nas cordas, Jimmy fazia sua guitarra gritar em microfonia, frente à fabulosa geração dos Hippies no Woodstock. Incendiava seu instrumento e o despedaçava. A guitarra nada mais era que uma ponte, um caminho para sua mensagem: “Are you Experienced?”. Jimmy “beijava o céu” entre espelhos quebrados. Era como um Caronte negro, conduzindo aqueles que chegavam mortos em sua barca elétrica ao mundo inferior, ao inferno ardente. E não é o paraíso aquele que mais arde na alma? Herdeiro do Blues e do Jazz, Hendrix foi o precursor de uma estrada iluminada de escalas pentatônicas e bends. Um Xamã, tal qual Jim Morrison, agitando almas através dos ouvidos. Vestiu uniforme e ganhou os céus como paraquedista da 101st Airborne Division, e anos mais tarde gritou ao mundo pelo fim da guerra do Vietnã. Tocava com as mãos, os dentes... nas costas. Seu corpo era todo música e sua alma, baderna. Morreu sufocado no próprio vômito. A quantidade de vinho encontrada em seu corpo impressionou os legistas. Eu digo: morreu embebido na própria falta de limites, como um espartano em Termópilas, eternamente lembrado e risonhamente satisfeito. Profetizara anos antes: “Sou o cara que terá de morrer quando chegar minha hora, então me deixem viver minha vida da forma que eu quiser”;

Allen Ginsberg, poeta-anarquista, rebelde romântico. O Santo Veado. Escondia atrás de sua barba farta e seus óculos fundo-de-garrafa um gênio sublime que fascinava a quem contemplasse suas letras. Seu poema Howl (uivo) é uma das mais apaixonantes odes à geração Beat, à insurreição poética e ébria de uma época e aos seus companheiros, os outros deuses loucos do panteão. Foi autor do mais vendido livro de poesias da história da América. Homosexual, teve colhões pra assumir seus amores e desejos, inclusive em fotos, onde posava abraçado nu com seus amantes no ápice da política Macarthista. Usuário de LSD, ativista dos direitos humanos, Zen-budista. Junto de Kerouac e Burroughs, revolucionou a linguagem literária da segunda metade do século XX. Guru da rebelião e terrorista da contracultura, Ginsberg foi um dos grandes agitadores, que gritava aos ouvidos adormecidos do mundo, estagnados na normalidade, nos padrões e no conformismo. Inquestionavelmente foi o Anjo psicótico e nu, cuja luz fabulosa ilumina as mentes inquietas até hoje.

E quanto a você, amigo de nariz torcido, de alma acorrentada e mente arenosa, é provável que continue assim, limitado pela sua própria cegueira ignorante. Pela sua concepção patética da vida. Tenho pena. Sei que viverá uma vida insossa, cheia de regras e normas de conduta. Nunca sentirá sua consciência transportada à um paraíso, seja artificial ou literal, literário. Provavelmente nunca experimentará a aventura do conflito, a coragem libertadora do questionamento e o grito que faz tremer a alma. Chegará ao fim dos seus dias, com a falsa sensação de ter vivido. De que a tranqüilidade de seus anos e a comodidade de seus dias valeram à pena, ainda que saiba no fundo da alma que a mediocridade de suas escolhas somente lhe renderá a insatisfação. O esquecimento será sua herança. Pobre de ti, abastado amigo, que em uma existência invisível e longa, não conseguiu compreender que o tesouro sagrado só é alcançado pelos Vagabundos de alma nobre, os Iluminados pela poesia e pelas incertezas. Os livres de preconceitos sexuais, sociais e étnicos. Os que partem cedo do casulo da carne, e ainda assim deixam aos olhos sem vendas, o mapa místico da verdade, coisa que em vinte vidas você não descobrirá, ainda que esteja aí pichado na sua frente. Tenha uma vida longa, tranqüila e próspera. Certifique-se de ter trancado as portas, abaixado as vistas e levantado a tampa. A arte-Sabotagem passará longe de ti, ela odeia os fracos de espírito, os covardes, os nomais. À ela, como bem disse Kerouac, “só interessam os loucos, os que estão loucos para viver, para falar, que querem tudo ao mesmo tempo, aqueles que nunca bocejam ou falam chavões...mas queimam, queimam, queimam como fogos de artifício pela noite”.

Dedicado aos espíritos livres, agitadores e baderneiros. Aos Sonhadores que têm orgulho da nudez e de serem chamados de rebeldes. Serpentes de trejeitos felinos. Reis Invisíveis do mundo que desperta quando os olhos se fecham, que jamais ficarão sentados na ilha de seu próprio umbigo enquanto a noite grita.










Um comentário:

Ariel disse...

Caralho, ficou ótimo esse texto. Tudo o que eu quero dizer pro mundo, no momento.
E quem acha que pode julgar caras assim, tem que se lembrar da sua medíocre existência perante esses gênios das artes.