terça-feira, novembro 29, 2005

DUAS VIDAS, UMA GARRAFA DE VINHO E DOIS HOMENS CONVERSANDO.

Às vezes pareciam duas histórias ao mesmo tempo, como que o fruto de uma conversa entre dois roteiristas de cinema. Um de drama, outro de comédia.
Havia todos os personagens dramáticos, com direito a pílulas pra dormir, casos mal-resolvidos, músicas tocadas por um pianista de nome melodioso, porres dionísicos que resultavam em lágrimas nos ombros de amigos recém conhecidos e conversas com o espelho do banheiro; também havia os elementos cômicos, como o grandalhão desajeitado e sentimentalóide que escutava atrás da porta - o que era um ato um tanto masoquista-, o amigo que tentava lhe convencer a sair mais de casa e um cachorro com quem ninguém queria ficar. Mas que ninguém abriria mão. Ah, ia esquecendo do envelope de cor estranha atrás da porta-retratos.
A maior parte do tempo tudo se encaixava em uma película de 35mm, mas às vezes escorria pelo carretel e era uma bagunça. Era preciso tesoura, cola e paciência pra dar um jeito em tudo, sacrificando uma ou duas cenas .
A arte de atuação também se confundia. Hora vestia um sorriso e com passos incertos, arrancava gargalhadas, enquanto derrubava desajeitadamente as coisas no caminho. Isso, quando não trajava aquela expressão sisuda, que acentuava suas rugas de expressão na testa. Marcas de dias difíceis por dentro, que nem com todas as cores do mundo sairiam dali (o que não deixava de ser uma cena engraçada, quando pensava no que o Sr. de roupa caqui diria).
Entre uma conversa e outra, os roteiristas teciam possibilidades em lapsos de tempo incerto. Chegara em um ponto onde havia esquecido onde acabava a comédia e começava o drama.
A platéia mudava constantemente. Uns preferiam pipoca e coca-cola, assistindo no fundo e encontrando passagens que remetiam aos seus próprios dias (mas que nunca o admitiriam): os discretos.
Outros preferiam os salgadinhos, fazendo barulho no plástico da embalagem de suas risadas empacotadas (sem entender que eles eram a maior piada): os descrentes.
Enquanto não se decidia pela comédia ou pelo drama, dançava e tropeçava, carregando em um bolso um lenço úmido daquele dia dois sonhos atrás, e em outro seu nariz vermelho, para quando lhe fizessem de palhaço.
Enquanto isso, os dois homens pediam mais uma garrafa de Cabernet e continuavam a imaginar seus roteiros e quanto gastariam com figurantes.
O.

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